Coraline de Neil Gaiman é uma dessas histórias de fantasia obscura parecidas com Labirinto do Fauno que envolve uma garotinha enfrentando monstros tétricos, onde usa mundos imaginários e mágicos como refúgio do mundo real que, em geral ou é tedioso ou horrível no caso do Labirinto do Fauno existe a guerra civil e aqui há simplesmente um mundo entediante e cinza que narra a história de uma menina cínica chamada... Coraline! Wow, que se vê extremamente entediada após seus pais se mudarem para um lugar onde ela não conhecia nada e que havia pouca ou nula coisa para fazer. Somado a isso temos também uma relação fria e seca com os seus pais que termina aumentando seu tédio até que encontra uma portinhola em na casa e a partir daí é teleportada para outro mundo, nesse mundo as coisas são relativamente melhores, seus pais são mais atenciosos e fazem tudo que ela quer só que obviamente há um preço, e o preço é literalmente a sua alma. Coraline então se vê obrigada a fugir desse mundo e retornar para casa.
O primeiro aspecto que notei do livro para o filme foi que a Coraline do livro é bem mais "sem sal" quer dizer ela tem menos carisma que a do filme, a do filme é mais sarcástica e meio cínica em relação as coisas, fora que a Coraline do filme é quem move parte da trama, a do livro parece que é levada pela trama, pelo menos é a impressão que tive. A Coraline do livro em geral é mais otimista e se assemelha mais com a Ofélia do Labirinto do Fauno, menciono esse detalhe porque ambos os ilustradores trabalharam em ditas obras. O diferença de Coraline para o Fauno é que aqui não tem melodrama e a magia tem sentido de ser e não há coisas como profecias o que deixa mais tenso a medida que a história avança.
A escrita do livro é bastante simples e sem truques ou maneirismos de linguagem, o que é proposital já que o livro tem o foco em um público mais juvenil de modo que não há gore ou conteúdos mais amplos nem detalhamento de cenários, o que é subjetivo, pessoalmente não me incomoda já que a história não é complexa nem exige muito simbolismo. Mas sobre o livro em si é bom ou não? Ehhh... Sim, o livro tem uma mensagem positiva e simples sobre valorizar as interações familiares e de rejeitar o escapismo, o problema consiste em que esse tema não tem um grande aprofundamento, o que é uma pena já que daria todo um terreno para explorar o lado mais psicológico e existencial dessas questões, mas não é possível pois como mencionei o livro é para jovens. Seria interessante aprofundar a relação fria da Coraline com os pais.
Ainda sim é superior a coisas como Labirinto do Fauno porque a magia tem sentido de ser, existe uma mensagem por trás ao invés de ser apenas conceito e a protagonista tem mais vida e independência que a de Fauno. O restante dos personagens são básicos, os vilões são bastante tétricos mesmo sendo básicos em execução, uma boa áurea de horror e particularmente adoro esse tipo de história.
7/10
Como fazer uma dark fantasy por Neil Gaiman
Posted : 2 years, 5 months ago on 3 June 2022 05:23 (A review of Coraline)0 comments, Reply to this entry
The Batman review
Posted : 2 years, 6 months ago on 18 May 2022 06:55 (A review of The Batman)The Batman, filme de Matt Reeves sobre o homem morcego e que não precisa de explicação porque... Batman. O filme gira em torno sobre como Batman está surtando em uma Gotham decadente e cheia de crimes e corrupção, nesse cenário de degeneração surge um homem com tendências psicopatas, o charada, que vendo a loucura que era Gotham decide cometer vários atentados contra políticos e etc. Batman junto à polícia tentam descobrir quem é o homem por trás da charada, e meio que todo o filme é baseado na busca por esse vilão. Minhas impressões iniciais sobre o filme foram bastante positivas já que estamos falando de um Batman mais humano que nunca, que está sofrendo pela situação que chegou sua cidade, sobre como a violência e o cinismo das autoridades deixou chegar nesse nível. O filme mostra como Batman foi afetado pelos acontecimentos passados, como a morte de seus pais o influenciou e deixou marcas profundas em sua mente e a ideia de representar isso em um cenário punk decadente torna a experiência mais interessante.
O filme tem vários pontos positivos, como o transfundo do Batman, a filmagem está muito boa e a atuação, apesar de estranha em alguns momentos, é decente e o ator logra captar esse sentimento de tristeza do Batman. Outro ponto forte é o vilão, já que este possui uma boa motivação para fazer o que fez, ele por sua vez influenciado pelas ações cada vez mais violentas do Batman, tentou replicar do seu modo, como em Os Incríveis, sendo Batman um dos responsáveis pela loucura do vilão já que o modo como ele andava agindo de alguma forma validava as ações do vilão. Ao mesmo tempo que é um ponto forte, é um ponto fraco, não sabemos quase nada do vilão o filme inteiro e o seu passado é revelado em um diálogo apenas, ele é bem justificado, porém é demasiado medíocre para que me importe. Falando em explorar vilão, o que houve com o coringa do Joaquim Phoenix? Não seria melhor usa-lo em vez de descartar como se fosse um universo paralelo? como tudo que a DC faz já que eles não tem coragem de manter consequências permanentes em suas histórias.
Se fosse o Coringa do Joaquim que estivesse ai teria um impacto maior já que seu personagem foi amplamente desenvolvido em outra entrega. Falando de personagens, elogiei o transfundo do Batman por estar cercado de consequências e tragédias preestabelecidas, pero, pero vejamos, o Batman do Robert Patinson é bastante singular e quando digo isso é porque ele está sempre com rosto sério, distante e frio, é assim o filme inteiro, não chega ser insuportável mas é uma falência de todas as formas, outro aspecto que me desagrada é a dublagem que força uma voz rouca de "oh veja como sou sério, veja como tenho tuberculose cof cof" fora que foi dublado pelo fcking Wendel Bezerra(eu acho pelo menos)(é ele mesmo!). Outro ponto que arruína a experiência é a censura tosca, o filme não tem sangue por ser direcionado a um público mais juvenil, isso é por um lado bem decepcionante já que esperava um pouco mais de sangue em um filme "realista" por outro lado também impediu que o filme fosse um show de gore e edgy desnecessário.
Também nem preciso mencionar a estupidez de não descobrirem que Bruce é o Batman, é algo antigo já, o sujeito literalmente cobriu a parte de cima do rosto e mágica, ninguém sabe quem é, ninguém sabe identificar pela voz, pelo formato do rosto ou pelo fato deles dois nunca estarem no mesmo lugar, mesmo quando BRUCE DESAPARECE DO NADA DE UMA CENA E DO NADA APARECE O BATMAN, absolutamente ninguém se questionou. A coreografia das lutas também é um tanto meh, como mencionei, a censura estragou bastante a intenção realista do filme, é simplesmente estúpido o Batman espancar com uma vara de metal o rosto de um bandido e este não ter sequer um arranhão na face, também algumas movimentações soam estranhamente lentas de modo que parecem não ter impacto, faz parecer que os golpes estão sendo dados na Lua. Não é um aspecto que me faz tirar pontos mas sim que faz falta.
Outro aspecto ruim do filme é que não é explicado de onde o vilão tirou dinheiro para realizar o atentado, onde conseguiu as armas ou sequer como conseguiu tantos apoiadores facilmente sem que a polícia soubesse ou se infiltrasse para descobrir de cara. A parte de investigação é um tanto entediante, apesar de possuir bastante desenvolvimento de personagem. Também não ajuda que o filme possua baixa tensão, quer dizer, a roupa do Batman resiste a tiros de sniper, tiros de escopeta e até explosões sem que este receba um único arranhão no rosto. Também é conveniente que nenhum dos vilões tenha a ideia de atirar na parte descoberta do rosto.
Agora sobre a mensagem do filme, é uma boa mensagem, Batman ao final entende que deveria inspirar confiança e esperança, em vez de promover a destruição e a morte, ele percebe que incentivando a violência, estaria dando razão para pessoas como o Charada caindo em um círculo de violência sem fim. O simbolismo do final também é muito bonito, quando ele tenta se sacrificar para salvar as pessoas e acaba caindo na água, na água junto as pessoas, ele ilumina o caminho dos civis com uma tocha, representando a transição dele de um ser destrutivo e triste para um ser de esperança e luz que ilumina as trevas em que Gotham estava submersa. É uma boa forma de passar mensagens pacifistas já que não evangeliza os maus. Contudo não gosto nem um pouco dessa mensagem de "a falta de confiança nas instituições causa o mal", o problema não está nas malditas instituições burocráticas, está nas pessoas e no caráter pessoal de cada um, pois cada um carrega consigo a responsabilidade de inspirar bons valores e cabe aos bons evitar a dissimulação criada pela barbárie.
Bién, será The Batman um filme ruim? No, é um filme decente, com uma mensagem decente. De modo que é um filme aprovado para ver com a família(já que não há sangue nem cenas picantes lol). Os personagens estão bem justificados apesar de nenhum ter uma boa exploração ou sequer conclusão e fora alguns diálogos desnecessários sobre privilégio branco ou discursos estúpidos sobre o valor de instituições mutáveis e temporárias, fora isso não vejo más intenções na obra e detalhe que não vi a trilogia de Nolan então não posso dizer se é melhor ou não, contudo é um filme decente:
personagens:6/10
trama:5/10
temas:6/10
atuação:6/10
6/10
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The Complete Works of Dostoyevsky review
Posted : 2 years, 6 months ago on 17 May 2022 05:36 (A review of The Complete Works of Dostoyevsky)Fiódor Mikhailovitch Dostoiévski, simplesmente Dostoiévski é o romancista mais importante da história da Rússia, estando ao lado de gigantes como Miguel Cevantes ou Shakespeare, com suas obras alcançando um nível de relevância que transcende o próprio período do autor pois como sabem, o que faz um autor ser relevante não o quão popular ele foi em seu tempo mas sim se sua obra permanece precisa em termos históricos e sociológicos. Estamos falando de um escritor psicológico em toda regra, cujo os personagens estão aí para retratar problemas sociais, filosóficos e políticos, ou pelo menos em sua maioria com algumas exceções interessantes que fazem da sua obra algo enriquecedor não apenas em termos literários como também em termos filosóficos, suas histórias estão carregadas de simbolismos sutis que coloca o leitor em um estado de meditação e reflexão sobre as ações e pensamentos dos personagens que ele representa, seus personagens em muitos casos são tão psicológicos que entram no terreno do existencialismo. Seus temas além de dotados de uma variedade de gêneros literários, passando por obras sobre assassinatos até obras sobre revoluções, quase sempre carregados de alguma reflexão que é expressa as vezes direta ou indiretamente pelo próprio autor.
O que descrevi acima pode soar como favoritismo já que comparto com a maioria das ideias que ele escrevia em seus livros, essa espécie de cristianismo social que se assemelha à Rerum Novarum do Papa Leão 13. Me agrada a visão de Dostoiévski sobre o cristianismo por ser algo voltado para o lado humano em vez de ser excessivamente pacifista ao ponto de aceitar deturpações das sagradas escrituras(assim como fazem as seitas neo-protestantes e assim o faz o atual papa) nem é tão caricato como "oh dios, serei salvo não importa o que faço" é algo muito mais como "a disciplina e o domo dos prazeres egoístas é o que possibilita o amor ao próximo" de alguma forma ele consegue conectar os pensamentos da terceira posição(fascismo) com os valores cristãos e um pouco de socialismo utópico de maneira que quase não há conflitos. Dostoiévski acreditava que o mal do mundo estava na falta de amor ao próximo, essa frase pega sem contexto pode soar como genérica e pregação repetitiva, no entanto, para os que já tiveram um contato mais profundo com a obra dele, é impossível não sentir a profundidade dessa questão.
Dostoiévski apesar de ser anti-socialista e condenar o igualitarismo, também não era 100% pró individualismo, chegando inclusive a criticar ferrenhamente os que se dizem egoístas racionais, que é uma outra vertente filosófica da época, ele acreditava que era essencial o contato humano e que carregamos conosco um grande vazio que apenas pode ser preenchido por Deus e pelos valores cristãos, que estarmos absolutamente sozinhos levaria a coisas como depressão, suicídio, ansiedade e demais problemas que se tornaram uma verdadeira moda no mundo secular. considero sua crítica em relação ao individualismo a mais exata e precisa já que carrega consigo vários questionamentos de caráter existencial, por exemplo, a falta de Deus e do amor ao próximo leva a um estado de amoralidade onde o indivíduo cria para si próprio um sistema moral para não ser consumido pela loucura de achar que não existem valores e logo não existe uma ordem preestabelecida, criando um paralelismo com o Übermensch de Nietzsche, um sujeito que superou o sistema moral vigente. Dostoiévski tem o mérito de ter antecipado aquilo que Nietzsche escreveria tempos depois.
Contudo seria entediante e bastante pretensioso se Dostoiévski escreve tudo isso que eu disse de forma direta em forma de sermão, seriam obras panfletárias carentes de valor artístico, o que como já sabem não é o caso. Os personagens ateus de Dostoiévski são sumamente humanos e possuem toda uma justificativa para pensar do modo que pensam, Raskolnikov por exemplo ou tipos mais exóticos como Fyodor Karamazov e o Homem do Subsolo. Cada um possui uma lógica interna que faz com que pareçam que estão certos, todavia o fim de cada um desses personagens está cheio de amargura, tristeza e miséria, não porque o autor seja um sádico que castiga os personagens dos quais discorda ideologicamente, mas sim através das próprias ações dos personagens, dando ênfase na escolha individual, a forma correta de escrever uma tragédia. Dostoiévski acreditava que nossos pensamentos induzem nossas ações, ser ateu nos induz a acreditar que as coisas não possuem tanto valor, tornando o indivíduo cínico em relação às coisas. Indo além da crítica aos movimentos revolucionários, o russo também criticava por vezes a falsa religiosidade bem com o cinismo e a inércia das classes superiores em sua época.
Fora de sua obra também cabe destaque para sua vida pessoal, sendo ele alguém que sofria de epilepsia e constantes infortúnios como perder a esposa, a filha e o irmão tudo em um período muito próximo, de ter se endividado, de ter sido preso e estando sempre em uma linha tênue entre escrever e sobreviver. Sua história de vida é algo bastante inspiracional e sem sombra de dúvidas foi o melhor romancista que a Rússia já produziu.
Sobre suas obras vale ressaltar que isso aqui será mais um review do que uma análise, porque se eu fosse parar para analisar cada uma das obras dele, esse texto teria mais de 100 mil caracteres. Também vale lembrar que não li tudo dele obviamente, deixo de fora o romance "O Adolescente" e coisas mais autobiográficas como "Memória da casa dos mortos". Sobre o romance O Adolescente, não encontrei em lugar nenhum uma cópia, nem físico nem virtual, de modo que pode tornar o meu review incompleto e que pretendo corrigir assim que encontrar o livro.
GENTE POBRE(1844):O primeiro romance de Dostoiévski, obra que lhe concedeu de cara já uma certa relevância na época, em especial nos meios revolucionários onde foi bastante elogiado ao retratar os problemas sociais e econômicos que a Rússia sofria na época. O livro conta a história de Makar Alekseyevich Devushkin, ou simplesmente Devushkin para encurtar, e de Varvara Alekseyevna Dobroselova, de novo, apenas Varvara, onde ambos trocam cartas relatando um ao outro o que se passa em suas vidas, ambos estão em uma espécie de namoro ou romance não declarado, são extremamente pobres e lutam diariamente para sobreviver para quem sabe um dia se encontrarem. Sendo Devushkin um homem gentil e bondoso e Varvara humilde e dócil, ao mesmo tempo que são virtuosos, também estão dotados de defeitos que faz com que sejam mais humanos do que apenas um casal comum de alguma história genérica onde o mocinho e a mocinha são puros. Devushkin por exemplo é um tanto alcólatra e comodista, coisa que irrita Varvara que apesar de boa, termina escolhendo ficar com um velho de condição mais elevada, deixando Devushkin em uma pilha de tristeza e depressão.
Esse livro me recordou outros romances de frustrados como "Sofrimentos de Werther" só que elevado a nona potência. Os dois protagonistas são interessantes já que não são nem desprezíveis nem excessivamente bons, é uma boa representação do populacho médio da Rússia no século 19 já que até então não havia esse cuidado de humanizar as classes mais baixas e coisas como generosidade, bondade e amor eram representadas apenas entre as classes superiores. O livro é quase que inteiramente escrito em cartas, uma forma criativa de detalhar o pensamento e as ações dos personagens, sendo esse um romance nada convencional e até pode-se considerar uma desconstrução do gênero(no bom sentido). O maior problema com esse livro é que os dois personagens são constantemente colocados em situações ruins de uma forma que não natural para gerar pena e termina criando um certo melodrama, alguns acontecimentos são um tanto apressados e o autor exagera muito na adjetivação dos termos. Sobre as cartas dos personagens, possuem certo grau psicológico e ao mesmo tempo filosófico com Devushkin explicando suas angústias sobre seu futuro e indagando algumas reflexões bastante pertinentes como a injustiça econômica do mundo, como alguns "nascem para sofrer enquanto outros são desde o nascimento, favorecidos pelos bens materiais".
É ao contrário do que esperava, um romance honesto e genuíno sobre os problemas econômicos em vez de ser porcaria propagandística sobre satanizar classe x ou y. Me agrada a mensagem de não se deixar corromper pelo meio, e ser virtuoso mesmo entre os arrogantes, várias das questões desse livro seriam solucionadas ou apresentadas de forma mais completa em outras obras de Dostoievski, mas no que me concebe é um bom livro;
7/10
O DUPLO(1844):Seguindo a linha de tragédia psicológica temos O Duplo, um romance estranho e difícil de entender que precede suas grandes obras psicológicas, essa por sua vez conta a história de Yakóv Petróvich Golyadkin, um funcionário público que está enloquecendo devido a uma psicose onde pensa que está sendo substituído por outro Golyadkin. A história começa quando um médico alerta que seu comportamento era perigosamente antissocial e Golyadkin então, tenta socializar mas fracassa pelo seu jeito "peculiar" de agir, uma sucessão de erros termina fazendo com que ele fosse expulso dos lugares em que frequentava, quando ele encontra a si mesmo, Golyadkin Jr que é diferente do Golyadkin normal já que este tem carisma e habilidades sociais que o Golyadkin original não tem, pouco a pouco Golyadkin Jr vai tomando seu lugar e pouco a pouco o Golyadkin normal vai desaparecendo e é ai que ele entra em um surto psicótico onde passa a ver várias réplicas de si mesmo, o livro termina com ele sendo levado a um hospício pelo seu médico.
Bién, Bién, o que dizer desse livro? É difícil entender o que o autor quis passar, existem várias interpretações e uma delas é de que Dostoiévski quis representar a loucura pela loucura, sem grandes pretensões, tal como o "diário de um louco" de Gogol, ainda sim é possível encontrar coisas interessantes nesse livro como o desparecimento da identidade de Golyadkin, como esse está procurando desesperadamente por uma identidade que o torne mais sociável e querido pelas pessoas, coisa que se materializa no personagem de Golyadkin Jr, ele possui tudo que Golyadkin primeiro desejava e ainda sim, ao passo que essa personalidade vai dominando Golyadkin, este cria uma certa repulsa sobre o duplo e termina entrando em colapso mental ao perceber que estava na verdade perdendo sua identidade, poderia ser um criticismo sobre como estamos constantemente desfigurando nossas próprias personalidades pela aceitação social? Não sei e sinceramente tenho medo de pensar nisso.
De modo que O Duplo é uma obra interessante e competente em detalhar a mente de um psicótico, as interações de Golyadkin com as outras pessoas também é interessante, sobre o personagem de Golyadkin, é bem explorado e profundo. O problema principal do livro é que parece não ter propósito, é apenas a abordagem de um louco, não há uma grande mensagem por trás e acredito que Dostoiévski poderia ter explorado mais o passado de Golyadkin e sua fase antes de enlouquecer, no caso do livro ele já nos é apresentado como louco, se fosse ao contrário seria ainda mais impactante e a mensagem que mencionei acima seria ainda mais potente. A ideia de abordar a questão das doenças mentais de uma forma mais psicológica em vez de ser em forma de escárnio também é digno de elogio, por fim considero um bom livro, mas fraco em vários aspectos e por fim;
6/10
NOTAS DO SUBSOLO(1864): Uma evolução temática significativa em comparação com suas primeiras novelas, esta por sua vez está rica e bem detalhada nos aspectos psicológicos e filosóficos, sendo uma obra fortíssima que critica os aspectos do individualismo racionalista, uma tendência que surgiu com o apogeu do ateísmo e das ideias liberais. Não é uma história fácil de ler, não que seja grande em tamanho(com pouco mais que 90 páginas) mas pela linguagem que é apresentada em forma de monólogo onde o protagonista escreve as coisas que pensa. Notas do subsolo conta a história de um homem amargurado e isolado da sociedade, que vive da aposentadoria em um subsolo insalubre onde vive sem amigos e isolado completamente do mundo. A primeira parte o homem do subsolo(não possui nome) narra sua trajetória e seus pensamentos de forma desconexa onde exprime toda sua raiva em relação à sociedade, criticando a religião, a ciência e tudo mais, refletindo sobre o despropósito que estava sendo sua vida nos últimos anos.
Dentre os temas mais importantes cabe destacar o niilismo, que é amplamente criticado nessa obra através do personagem do subsolo que, se distanciando do mundo e das pessoas no geral, estaria vivendo a filosofia individualista que era tão pregada na época em que o livro foi escrito. O niilismo levou ao homem do subsolo criar para si, um sistema de valores próprios onde ele não tem que se preocupar com ninguém, aliás, lidar com pessoas para ele é muito trabalhoso, no entanto essa carência de contato humano fez com que o homem do subsolo experimentasse um profundo vazio e carência de afeto. No fundo ele se sente vazio e deprimido, ele também se odeia porque ninguém deseja sua presença, coisa que ao longo da novela é demonstrado que ele mesmo causou esse isolamento. Sua falta de contato com as pessoas o levou a criar tendências egoístas e mesquinhas. Ele é amante do próprio ego ao mesmo tempo que reconhece que é um estúpido, que faz sua mente ferver em um sadismo masoquista.
O livro é um dos mais complexos, senão o mais complexo já que se trata de uma distopia moderna, mostrando os efeitos do individualismo extremo, da falta de empatia e acima de tudo é uma crítica ao niilismo ocidental que se alojara na Rússia, é um livro perturbador e macabro, não por ter elemento de terror ou coisas do tipo, mas pela exatidão que possui. Já conheci uma pessoa que tinha essa ideia de egoísmo racional e é bizarro a alienação que essas filosofias causam nas pessoas, alguns são assumidamente adeptos de comportamentos sexuais bizarros que nem posso mencionar aqui, e o pior é que vejo a cada dia que passa mais e mais pessoas nessa condição de alienação. Serve de lição para esses que se dizem defensores do fim do Estado e das relações sociais(ancaps e mgt0ws) ou esses 1ncels de quarto que cultivam comportamentos e ideias hedonistas e altamente antissociais(como romantizar massacres ou outros crimes). Em alguns casos caem em outras armadilhas como o vitimismo ou o identitarismo que pode desenvolver contornos mais depressivos ao invés de narcisistas.
De maneira geral essa obra é espetacular e um prato cheio para os que gostam de estudar a mente humana e, ao mesmo tempo é um livro pesado pelas implicações e lições que passa, o final é bastante pessimista e mostra que uma vez chegamos no estado do homem do subsolo, não há mais retorno, ao mesmo tempo que está cheia de referências e críticas ao estado político da Rússia nesta ocasião, sendo uma obra além que transcende o literário e se converte em um autêntico relato histórico das tendências sociopolíticas. É ao lado de Brave New World uma distopia moderna que vai na contra mão dos ideais liberais e fora que esse livro inspirou Táxi Driver então é um grande achado;
9/10
CRIME E CASTIGO(1866):Sua obra mais popular e uma das mais marcantes, sendo o primeiro dos 5 romances da maturidade, que foi quando Dostoiévski saiu da prisão na Sibéria e voltou a escrever. Seu primeiro romance fora da prisão conta a história do estudante de direito Rodion Romanôvich Raskolnikov que vivendo na miséria é obrigado a abandonar o curso e seguir outra profissão, desesperado e com delírios de grandeza se achando o sucessor de Napoleão termina matando uma velha usurária para tomar-lhe o dinheiro para prosseguir na faculdade de direito. O primeiro aspecto que podemos mencionar dessa obra é em relação ao sentimento de culpa e a ideologia de Raskolnikov.
Sendo Raskolnikov um rapaz inteligente e bonito, ele não aceita sua condição e movido pela ideia de que os grandes homens podem superar o sistema moral vigente e criar o seu próprio. Termina ele caindo em uma espiral de culpa por ter se permitido cometer tal atrocidade, revelando que ele ainda estava inclinado na moral cristão e por consequência estava arrependido. Sua falta de esperteza termina entregando aos policiais que ele era o criminoso, no fim ele é pego e enviado à prisão, lá ele se arrepende do seu crime com uma cena final abraçando sua amada(Sonya) que é simbolicamente a representação da virgem Maria redimindo os pecados.
O livro é um dos mais interessantes do autor, ao girar em torno de um crime e de investigação policial ala Sherlock Holmes só que desde a perspectiva do criminoso, Raskolnikov é um personagem bastante psicológico(como todos dele) e está bem justificado como protagonista já que tinha necessidade de fazer o que fez, óbvio que o livro não justifica de forma moral o que ele fez, apenas de forma racional pois seria ridículo dizer que alguém merece morrer apenas porque é usurário, uma motivação parecida com a de Kira, de que gente merda merece morrer, a diferença é que o Kira queria fazer para melhorar o mundo, Raskolnikov queria por um desejo egoísta, o que não justifica de todas as formas já que dá razão ao pensamento de que "posso prejudicar os que sofrem menos que eu" raiz de todos os erros humanos, em poucas palavras, a inveja.
É interessante alguns criticismos sobre o livro, de que dá mensagens ruins ao redimir um criminoso dizendo que todos os criminosos podem se arrepender e carregam a culpa dentro de si ou que mostra personagens que são inclusive mais pobres que Raskolnikov e não cometeram nenhum homicídio. O problema com esses criticismos é evidente, primeiro de tudo, o livro não está dizendo que todos os bandidos possuem redenção e que carregam consigo a culpa do que fizeram, a própria história mostra no personagem de Svidrigailov, um sujeito tal como Raskolnikov, que matou, estuprou e cometeu várias atrocidades e não se arrepende de absolutamente nada, seu estado de degradação não tem mais solução e o personagem é um alerta para Raskolnikov. Sobre o segundo criticismo, não é porque existem pessoas miseráveis que estas serão assassinas como Raskolnikov, se fosse o caso estaríamos em maus lençóis.
O livro é muito bom mas seu final deixa a desejar e possui um Time Skip que ignora a redenção de Raskolnikov na prisão, todavia é um livro nota;
8/10
O JOGADOR(1867):Depois da pedrada que foi Subsolo e Crime Castigo seria bom algo mais leve e menos pesado no? O jogador foi escrito após Crime e Castigo e possui toques autobiográficos ao representar uma parte da vida de Dostoiévski, este por sua vez era viciado em jogos de azar e tinha sérios problemas quanto a isso, se endividando e tendo vários problemas com as editoras que exigiam a entrega de suas histórias em um tempo ridiculamente curto, coisa que certamente afetou essa entrega no? Na verdade não tanto, é um livro curto contando com mais ou menos 150 páginas. A história gira em torno de Aleksei Ivanovich, um viciado em jogos de azar que passa os dias em um cassino na França, Aleksei está apaixonado por uma meretriz que lhe trata como capacho. O plot da história gira em torno de como Aleksei vai gradualmente perdendo a noção do tempo e da vida, reduzindo sua vida aos jogos.
Dostoiévski representou através do protagonista os problemas relacionados aos vícios e ao hedonismo, mostrando como o vício isola a pessoa de si mesma, esquecendo de si e se perdendo em uma espiral de prazer desordenado e usura. Ele logrou representar com perfeição antes de qualquer filme de hollywood, como funciona os cassinos e a malandragens por trás. Apesar de estar bem ambientado e contar com personagens interessantes, a história é um tanto curta e os temas são explorados apenas superficialmente, não é um estudo profundo sobre a psique de um viciado ou uma tragédia bombástica como Casino do Martin Scorsese, é mais uma história sobre cassinos com uma moral simples por trás.
Consequentemente não é uma obra complexa, porém é genuinamente divertida e agradável de ler, não tem esses entraves psicológicos e diálogos profundos com implicações filosóficas, e aparentemente inspirou o filme Casino, do qual eu recomendo bastante;
7/10
O IDIOTA(1869): voltando aos romances densos e psicológicos, temos O Idiota que é mais uma obra com tons autobiográficos, dessa vez o personagem deve ser um criminoso? Um viciado? um Psicótico? No, o protagonista da vez é um rapaz bom e humilde que ajuda a todos e tem um grande coração, pode soar meh e confesso que pensei em dropar o livro, dei uma chance e confesso que foi uma experiência interessante. A história gira em torno de Liev Nikolaevich Míshkin, um parente distante de uma generala que através dela ele procura se estabelecer para conseguir um emprego. No meio do caminho o nosso protagonista termina se envolvendo com o pessoal da família de Lizaveta Prokofievna, que são um bando de cretinos de má índole. Míshkin também acaba se envolvendo com Nastássia Filipovna que estava noiva de Rogojin, este por sua vez cria um ranço de rivalidade com Míshkin e o final bién, é Dostoiévski então presuma que não terminará bem.
Com Míshkin, Dostoiévski quis criar um personagem genuinamente bom de coração, de maneira a não torna-lo inconveniente ou chato, um personagem que fosse agradável ao mesmo tempo que é bonzinho, algumas resenhas que li sobre, afirmam que Míshkin seria simbolicamente a percepção do ideal cristão promovido por Dostoiévski. Sendo Míshkin um personagem de índole mágica, seu caráter é puramente bom. Sobre o nome "O idiota" apesar de soar sacrílego chamar um personagem que representa o cristianismo de idiota, há um motivo, o motivo é que todos ao redor de Míshkin são patifes, materialistas, mesquinhos e de natureza ruim, por consequência o caráter deles é incompatível com o de Míshkin, fazendo com que eles o vejam como um tonto. Apesar disso Míshkin tenta ver o lado bom de todos ao seu redor, por mais canalha ou mal intencionado que os outros sejam.
Seu personagem possui nuances psicológicas que beiram o existencialismo com indagações interessantes acerca da natureza humana, sobre se vale a pena ser bom em um ambiente tão ruim e medíocre, me referi aos personagens secundários como cretinos unidimensionais mas a verdade é que todos(grande parte pelo menos) possuem um certo grau de exploração psicológica, com Rogojin sendo o oposto de Míshkin, ateu, violento e com tendências assassinas ele tenta por vezes rebaixar Míshkin não por maldade mas por inveja pelo mesmo ter despertado o interesse de Nastássia Filipovna onde pouco a pouco vai demonstrando facetas mais humanas. Nastássia por sua vez é a personagem mais complexa da obra, sua figura representa o reflexo de uma vida carente de valores e de amor sincero, por ser de família nobre e dotada de beleza, termina sendo alvo de vários homens interesseiros que se aproximam ou pela sua beleza ou pela sua riqueza, coisa que a torna bastante cínica em relação as pessoas, sendo fria e em momentos até sádica, com ares de Asuka. Sinceramente seria mais interessante se fosse ela a protagonista.
Sobre a obra, os personagens estão bem explorados apesar de que em geral permanecem estáticos em relação as suas personalidades, Míshkin tem um final um tanto trágico mostrando que a bondade também possui consequências, não que o livro esteja dizendo que a bondade é na realidade algo ruim, muito pelo contrário, nos mostra como a falta de amor e o materialismo são danosos ao ser humano, com Míshkin, Dostoiévski quis mostrar a beleza do ser humano, de como devemos inspirar bons valores nas pessoas. Todavia o livro é desnecessariamente longo e o diálogo é demasiado arrastado, detalhando em coisas que não são necessárias e grande parte do romance é parado de modo que algumas partes são bem entediantes;
7/10
O ETERNO MARIDO(1870): Uma novela sobre um boêmio rasteiro e adúltero que pratica atos libidinosos com várias mulheres e... Bueno só, não há uma grande mensagem por trás e tão pouco tem um plot interessante, é apenas a história de um boêmio adúltero que cruza com um dos homens que corneou e este decide se aproximar dele por achar que ele é o pai de um filho que teve com a mulher que teve relações com... Ok, tentei tirar alguma lição ou mensagem ou mesmo algo de útil dessa novela mas é só isso. Vejo interessante abordar o tema da infidelidade conjugal de forma negativa e quiçá algo mais profundo detalhando uma relação amorosa mostrando como esse estilo de vida é ruim, o livro não romantiza e condena o comportamento de Ricardão mas sabe, não é o suficiente e a história toma um rumo meio estranho depois de umas páginas, de modo que não me deixa muito o que falar;
5/10
OS DEMÔNIOS(1872): Com o eterno marido poderíamos estar presenciando a decadência e o fim da inspiração de Dostoiévski onde o autor repetiria tramas e seguiria algo mais convencional ao invés de seguir a linha das novelas psicológicas no? graças a dios não é o caso e a prova é Os Demônios que entre outras coisas previu a revolução comunista na Rússia. Desde de cara a história apresenta um cenário de decadência cultural onde os liberais tomaram de conta, com a proliferação de ideias niilistas e anti-nacionalistas que carrega consigo um servilismo evidente pelos europeus, coisa que Dostoiévski odiava e tratou de criticar em seu livro, denunciando os erros e o caminho que a Rússia estava trilhando. O livro gira em torno de um professor de letras chamado Stepan Trofimovich Verkhovensky que vive sob os favores de uma generala viúva, dona de terras chamada Várvara Stravoguina.
Stepan é um sujeito manso, bobão que carece de masculinidade, não por ser homossexual mas por ser um emasculado que vive sob a tutela de Várvara que exerce o papel viril da relação, ela confia a Stepan a educação de seu filho Nikolay Stravoguin que é treinado por Stepan para ser o cabeça de uma revolução futura. Stravoguin cresce sob a influência das ideias utópicas de Stepan e desenvolve uma ideia de ateísmo e amoralidade que em si termina lhe influenciando a viver intensamente para os prazeres da carne, dormindo com várias mulheres e virando um alcóolatra, com Stravoguin, Dostoiévski quis criticar o hedonismo e a decadência espiritual gerada pela falta dos valores cristãos. Stravoguin é o personagem mais complexo da obra, tanto que tem para si um capítulo especificamente para falar de seu final, onde ele confessa um crime macabro que não citar para não estragar a experiência(sendo que já estou contando todo o livro duh).
O filho de Stepan, Stepanovich Verkhovensky, criado distante do pai é um genuíno sociopata, manipulador e egoísta, ele é a representação máxima da decadência moral provocada pelo secularismo, sendo alguém desprovido de moral ou de qualquer critério lógico sendo movido apenas pelos ideais revolucionários de seu pai, de uma forma mais simples e didática: Stepan é o PSDB e Stepanovich é o PT, um representa a social democracia e o outro representa os ideais marxistas revolucionários, sendo um a evolução do outro. Com Stepanovich, Dostoiévski quis representar o lado mais maligno das ideias revolucionárias, mostrando as atrocidades das quais são capazes de cometer, tal como um khmer vermelho da vida ou os bolcheviques russos.
O livro é uma sátira do cenário político da época onde Dostoiévski destila sua raiva contra os pensadores que importavam do exterior ideias que ferrariam a Rússia anos mais tarde. Esse é o livro que basicamente imortalizou a obra de Dostoiévski já que de forma escatológica previu boa parte do que ia acontecer no século 20, Stepanovich na ideia de criar uma revolução, incendeia uma favela para gerar o caos e assim conseguir o despertar revolucionário do povo, me lembra de um certo psicopata russo que pregava aos montes que o povo deveria se rebelar contra as autoridades? És solo coincidência.
Assim como 1984 e Revolução dos bichos, é uma distopia que está aí para alertar as pessoas dessas ideias igualitárias e das consequências delas, só que Dostoiévski tem o mérito de ter desenhado isso antes de ocorrer. Não é um romance perfeito e tão pouco é o melhor que ele já escreveu, sua estrutura é usualmente difícil de entender porque o narrador também é um personagem dentro da história e esse narrador varia de acordo com as circunstâncias, de modo que é bem fácil se confundir e creio que é assim como "O Idiota" é longo demais, ao menos há uma justificativa, os personagens estão ok;
ps:um dos primeiros livros que eu li dele e um dos primeiros que eu abandonei, até que li novamente e aqui está a nota;
ps:livro favorito do Olavo de Carvalho;
8/10
A DÓCIL(1876):A partir de aqui a obra de Dostoiévski vai ganhando contornos mais profundos e quase que totalmente psicológico e obscuro de modo que não há como continuar lendo sem essa compreensão. Com uma forma similar a Notas do Subsolo, aqui estamos diante de um narrador que descreve uma situação peculiar, sua esposa de 16 anos se suicidara e ele passa então a refletir sobre o que levou ela a cometer o ato. Durante a narração ele passa a descrever sua relação com ela e revela uma relação complicada no sentido de que quase não havia diálogo entre os dois, era uma relação de frieza e falta de contato, algo que o autor criticou em várias ocasiões. Aqui nos mostra um relacionamento conturbado e sem amor onde o narrador descreve uma profunda solidão e insegurança emocional do jeito que só Dostoiévski sabia fazer.
O drama é por vezes forçado e por vezes compreensível, diria que é um misto de problemas e questões que Dostoiévski tentou alertar várias e várias vezes, que nos faz retornar a questão do amor ao próximo e como a indiferença e frieza podem corroer as relações, o narrador é alguém com sérios problemas de natureza psicológica e muitas das coisas ele propositalmente oculta como se fosse realmente uma confissão. Diria que não é a representação das inseguranças do autor porque se pegarmos por essa linha, todos os seus personagens podem ser representações suas e seria uma mistura estranha e sem conexão, acredito que ele era mais um escritor hábil do que um psicótico, paranoico, antissocial com tendências perigosas, não parece seu perfil(ou não, pra mim ele é um mistério).
Os temas estão bem colocados e é um dos contos mais bem escritos dele, o problema é justamente por ser um conto é que limita uma análise mais profunda da obra;
8/10
SONHO DE UM HOMEM RIDÍCULO: Mais uma pedrada pra acompanhar a depressão, o sonho de um homem ridículo é um conto de mais ou menos 60 páginas onde Dostoiévski esmigalha o ateísmo e o niilismo através do narrador(sem nome) que tal como o homem do subsolo, também tem tendências isolacionistas. A diferença entre o homem ridículo e o homem do subsolo é que um é um niilista narcisista(homem do subsolo) e o outro é um niilista depressivo(Homem ridículo) ambos se complementam.
A história do conto começa com o narrador(homem ridículo)contando que se odeia e que deseja profundamente morrer, descrevendo sua vida como um amontoado de tristeza e insegurança, com o homem ridículo sempre distante das pessoas, sendo frio e revelando um certo desprezo pelos outros, tudo muda quando ele se vê passeando pela noite vê uma estrela brilhante no céu e interpreta aquilo como um sinal de que deveria se matar, é então que ele acaba cruzando com uma criança que parecia estar perdida, a criança pede ajuda ao protagonista mas este apenas ignora e foge para o seu apartamento onde saca uma pistola e decide que vai se matar, no entanto sentado no sofá com a arma apontada para a cabeça ele começa a pensar em sua vida, refletindo sobre como sua vida foi cíclica e que o mundo era pura tristeza e solidão.
O protagonista então com a arma apontada para a cabeça passa dormir e tem um sonho, nesse sonho ele é levado por uma criatura mágica que parece ser um anjo, ele viaja pelo espaço e é levado a um planeta parecido com a Terra, esse planeta está habitado apenas por homens, é um planeta perfeito, não há guerras, nem sofrimento nem tristeza, o homem ridículo é levado pelo anjo para o planeta, lá ele conversa com os habitantes, todos veem nele algo exótico, tentam agrada-lo e deixa-lo feliz. O protagonista já no planeta tenta descobrir o sentido de tudo isso e é então que se lembra de sua vida e de toda a sua tristeza, sua depressão persiste e então que ela começa a afetar os outros homens do planeta, esses homens passam a sentir inveja e desejo de conhecer o homem ridículo, ele tenta se esquivar dos homens e isso desperta um interesse de inveja nos outros e termina causando uma briga, de repente o homem ridículo percebe que suas ações levaram ao pecado aquele pacífico mundo.
Em poucas palavras, o homem ridículo agiu como uma espécie de serpente do éden, as implicações disso tudo é ainda mais interessante pois ensinou ao homem ridículo que o problema não estava no mundo mas sim nele mesmo, que ele mesmo, por sua falta de empatia e amor ao próximo, caiu em uma espiral de depressão e tendências suicidas. Oh boy, o que dizer desse conto, é o melhor conto dele e o que conta com mais temas existenciais, é quase um compendio de tudo que Dostoiévski escreveu, um compendio de 60 páginas apenas. O final é que o homem ridículo volta a si e percebendo seus erros corre para fora para ajudar a criança que ele havia ignorado, com um final esperançoso, diferente do Homem do subsolo e do Homem Duplo;
9/10(genial)
IRMÃOS KARAMAZOV(1880):Sua última pedrada antes de morrer, uma das mais fortes, Irmãos Karamazov conta a história de uma família disfuncional que foi fruto de vários divórcios e malandragens por parte do patriarca Fyodor Karamazov, que é descrito como um alcóolatra boêmio e ateu que professa a ideologia de que não existe moralidade e que o cristianismo está cheio de contradições, usando até de textos bíblicos para provar o seu ponto. Por outro lado temos os seus filhos que são mais ou menos parecidos em mentalidade mas distintos em personalidade, temos Dimitri Karamazov que é mais impulsivo, ciumento e hedonista, temos Smerdyakov que é basicamente Dostoiévski de outra realidade, sendo descrito como uma figura desprezível, doente e com certo olhar de servilismo e um sorriso que revela um mau caratismo oculto, temos Ivan Karamazov que em poucas palavras é Raskolnikov 2 ele pensa como seu pai, é ateu, professa a amoralidade e que as regras podem ser subvertidas.
Por fim temos o único filho que não é mau caráter, Alyosha Aleksei Karamazov que é o mais manso e humilde dos irmãos e o único cristão, sendo criado em um templo da igreja onde moldou seu caráter em torno dos ensinamentos do padre Zósima, outro importante personagem. Quando Dostoiévski escreveu Irmãos Karamazov, tinha a ideia de criar sua master peça antes de morrer, uma obra que marcasse seu legado como escritor(apesar de que já havia feito isso), de modo que o livro é em primeiro lugar, LONGO, contando com quase mil páginas onde ele detalha com maestria a psicologia de cada personagem de modo que é possível entender a ideologia e os pensamentos de cada um deles, cada um tem uma visão distinta e estão dotados de engenho que faz com que conectem entre si.
O fato de ser grande é pela primeira vez justificado, nos outros trabalhos de Dostoiévski era notável que ele estava arrastando a história para que aparentasse mais conteúdo, contudo em Irmãos Karamazov o tamanho é justificado pela complexidade psicológica que possuem os personagens, simplesmente não tenho o que criticar, todos estão bem justificados e todos tem algum grau de relevância para a história, há muito pouco o que criticar, apesar de que tentei achar erros. Sobre as mensagens e a filosofia da obra é simplesmente fantástica e concordo com quase tudo, quase tudo porque discordo da visão de Dostoiévski acerca do catolicismo, creio injusto até, mas nada que ofusque o brilho da obra.
A mensagem geral da obra é sobre a perda dos valores cristãos e as consequências disso, as consequências da falta de amor, de paternidade e de como os vícios podem destruir não só o viciado como todos ao redor, mostrando de forma crua os problemas do hedonismo, explorado com a mesma competência de outras obras de sua autoria. Plus! Dostoiévski conseguiu finalmente criar um personagem bom de coração e realista. Irmãos Karamazov é por vezes grotesco e seco no que concerne a sua trama já que envolve temas mais sérios da fase mais reflexiva do autor, lhe daria um 9/10, apenas pelo final que não considero tão bom, contudo, considerando tudo que Dostoiévski escreveu, sua filosofia, obra e trajetória de vida, me vejo obrigado a dar uma nota digna de obra prima;
10/10(pedrada)
Finalizo que Dostoiévski é por várias razões, o meu autor favorito, é um desses autores que é difícil de deturpar porque ele fala abertamente sobre o que está escrevendo não deixando espaço para dúvidas, ainda sim existem algumas figuras toscas que tentam reduzir sua obra a propaganda pacifista contra "barbárie" e pró-socialismo, quando ele era abertamente contra o igualitarismo. A triste realidade para os russófilos amantes da ditadura vermelha é que Dostoiévski estava mais para um nacionalista cristão de tendências fascistas. Felizmente ele não viveu suficiente para ver o que a Rússia se tornou, um antro de corrupção controlado por ateus megalomaníacos. Parte de sua obra me influenciou a levar mais a sério as questões religiosas, li ela em um momento do qual estava afundado em niilismo e em ideias ruins que me não me levaram a lugar nenhum, de modo que coisas como "Sonho do Homem ridículo" me ajudaram bastante a superar esses pensamentos. O melhor romancista cristão que tem.
Ranking:
1-Irmãos Karamazov
2-Notas do Subsolo
3-Sonho do Homem Ridículo
4-Crime e Castigo
5-O Idiota
6-Os Demônios
7-O Jogador
8-O Duplo
9-Gente Pobre
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Como arruinar um bom conceito
Posted : 2 years, 6 months ago on 12 May 2022 02:44 (A review of Pan's Labyrinth)O Labirinto do Fauno de Guillermo Del Toro é um filme dark fantasy de 2006 que conta a história de uma menina chamada Ofélia que tem uma certa imaginação para histórias de fantasia e que está destinada a ser rainha de algum reino mágico seguindo a linha narrativa fantástica, que recebe um tom gótico e dark devido ao cenário em que se desenvolve a história, no pós guerra civil espanhola onde fascistas e comunistas disputam o poder em um cenário de incertezas seguida pela segunda guerra mundial com uma lore fantástica de fundo onde Ofélia está destinada por uma profecia a se tornar rainha. Bom, o conceito é interessantíssimo porque dá margem a uma exploração temática genial sobre escapismo, tocando temas como a individualidade, imortalidade, tanatofobia, desesperança, sentido da vida, orfandade, ecologia e consequências da guerra, tal como Empire of the sun ou Túmulo dos vagalumes e mesclar isso com fantasia dark torna ainda mais épico, obscuro e realista inclusive cheguei a imaginar uma história algo parecida. Tristemente isso tudo não serviu de nada e o filme foi uma experiência genérica e vazia.
Começando pela protagonista que é vazia e estática, não tem nenhuma característica interessante fora estar destinada a ser rainha pelo fauno, a mãe dela é sem sal e apenas, o comandante espanhol é o arquétipo do fascista malvadão que mata pessoas aleatórias e ainda sim consegue manter seu status de comandante, tal como Amon Goeth(a lista de schindler) ou Hans Landa(bastardos inglórios) um vilão bem mal escrito já que ao mesmo tempo que tem um alto status, também é violento e assassino ao ponto de matar seus próprios oficiais, é sério, o sujeito é pura maldade WOW REALISMO! muito realismo! Nem Pol Pot fazia isso com seus oficiais, ao menos Hans Landa tinha personalidade e carisma que o fazia ser temido, ele por outro lado é só um sádico, seu uso é caricato, forçado e serve para reforçar o melodrama do filme. O restante dos personagens não importa e tão pouco acrescentam algo, sobre a lore mágica bom, é uma lore mágica da qual sabemos pouca coisa, não é explicado o porque de escolherem Ofélia já que essa não tem nenhuma característica interessante.
O filme também é conveniente em vários aspectos, o foco em cima da guerra civil é estranhamente extenso e não vejo razão já que não é como se o autor quisesse fazer um comentário sobre, poderia se passar em qualquer época, na China da Dinastia Shang, na Alemanha anos 40, na era de Genghis Kahn e não afetaria a história. O filme também é conveniente em vários aspectos, primeiro quando a mãe de Ofélia se livra do fascistão, um veterano de guerra é incapaz de lidar com uma mulher que acabou de dar a luz WOW! REALISMO!, também é conveniente que os guerrilheiros tenham aparecido para salva-la justo quando esta estava prestes a ser morta, o fascistão também é incapaz de perseguir uma garotinha porque havia bebido? WOW REALISMO! Melodrama e conveniência a parte temos a conclusão de Ofélia que bom, era pra ser um final reflexivo? Por... Não sei e tão pouco é grande coisa que ela tenha morrido já que não foi explicado nada, tinha potencial para ser um final catártico onde Ofélia aprenderia que a vida vale a pena ser vivida apesar das tribulações e que ela não deveria buscar refúgio em contos de fadas. Pode-se dizer que o final foi sobre "o mundo não é um conto de fadas" o que não justifica os personagens ruins e secos, na verdade só nos diz que o mundo é cruel, cruelmente unidimensional.
Em resumo, não é um bom filme, é pretensioso, meio seco com personagens ruins e incoerentes, unidimensionais e melodramáticos, é um filme que tenta ser um Empire of the sun só que com magia, a lore mágica é interessante mas é apenas conceito e a compreensão histórica do autor é pobre e carece de personalidade, é demasiado rápido e o final é a definição de "Bruh moment" e mesmo que eu goste desse tipo de lore dark fantasy, não é o suficiente para me convencer.
4/10
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Vale a pena ser bom?
Posted : 2 years, 6 months ago on 11 May 2022 05:02 (A review of The Idiot)O Idiota de Fyodor Dostoiévski faz parte dos seus romances pós Sibéria, para contextualizar rapidamente, ele foi preso por participar de grupos anti-czar e quase foi condenado à morte, quando saiu da prisão escreveu Crime e Castigo, Os Demônios, Irmãos Karamazov e O idiota, obras essas que criticam duramente as visões seculares e niilistas que haviam se impregnado na Rússia e que posteriormente causaria revoluções e divisões onde se cometeram várias atrocidades. A visão de Dostoiévski sobre o mundo é baseada no cristianismo e nos mandamentos bíblicos mesclados com um certo apelo ao social, algo parecido com a doutrina social da igreja católica expressa na carta da Rerum Novarum, apesar do mesmo detestar a igreja católica, coisa que ele expressa nessa mesma obra. Sobre a história, é um livro que se passa em São Petersburgo e narra a história do Príncipe Liev Nikolaevich Míshkin, que decide visitar sua família na cidade para conseguir um emprego, com a intenção também de conhecer sua família mais afastada. Em Petersburgo ele conhece seus parentes sendo eles; Lizavieta Prokofievna Epantchin e suas filhas Adelaída, Aglaia e Aleksandra, fora a principal Nastássia Filipovna.
O príncipe Míshkin tenta conseguir um emprego na casa dos Epantchin com fim de se estabelecer, no entanto termina se envolvendo em um relacionamento com Nastássia Filipovna devido ao caráter mágico dele. No percurso Míshkin também conhece Parfion Rogojin, sendo este seu antagonista, opositor em toda a regra sendo um mega vilão(nota:tipo de vilão que é o oposto absoluto do protagonista ex:venom). Míshkin ao princípio é menosprezado e tratado como um estúpido por todos ao seu redor pela sua índole de ser bom para com todos, isso dura até descobrirem que ele possui uma fortuna que um falecido tio seu lhe deixou, todos então passam a trata-lo bem e Nastássia Filipovna propõe casar-se com ele rejeitando Rogojin que era seu pretendente. Rogojin é humilhado por Nastássia e desenvolve um ódio que culmina no ato final do livro, do qual não darei spoilers. É interessante lembrar que esse livro foi escrito em um período bastante negro na vida de Dostoiévski, estava fragilizado emocionalmente e fisicamente, seus ataques de epilepsia se tornaram frequentes, sua filha mais nova havia morrido prematuramente e estava endividado devido as jogatinas, fora que estava sob forte pressão dos editores para entregar o romance. De modo similar ao autor de Neon Gênesis Evangelion que sofria de depressão e estava endividado e de forma inspiracional transformaram seus problemas em arte e o resultado foi algo sumamente profundo e psicológico, é o caso de vários autores e escritores ao redor do mundo.
Acredito eu que os problemas quando se tornam muito grandes, ficam claros e impossíveis de ignorar, fazendo o sujeito cair em uma profunda reflexão e solidão que culmina nos questionamentos mais profundos existentes, ele passa a refletir sobre sua vida e sobre questões mais elevadas como o futuro da sociedade ou a imortalidade de nossas almas. Talvez seja o caso de Dostoiévski já que muitos dos seus personagens são inspirados nele próprio, personagens como Smerdiakov ou Raskolnikov, o que nos leva ao personagem de Míshkin, que diferente de outros personagens dele, que em sua maioria eram canalhas, depressivos, psicóticos ou criminosos, Míshkin por outro lado é um ser manso e humilde, levando consigo a representação máxima do cristianismo, alguém que não julga, que ajuda e que é compreensível com todos, tratando de ver o melhor em cada pessoa. Míshkin é em poucas palavras "O príncipe de Cristo" um personagem bom de caráter. O primeiro problema que pensei ter em relação a esse personagem quando li sobre a premissa é "será um personagem irritante e chato que cuspirá lição de moral a cada minuto" por sorte não é o caso e Dostoiévski usou de engenhosidade para criar um personagem simpático, bom e ao mesmo tempo trágico.
Dostoiévski quis criar um personagem genuinamente bom, um contraste com a mentalidade niilista de que não existe moral, todavia seria um livro chatíssimo se fosse apenas sobre um personagem bom o tempo inteiro, fazendo vários amigos e vivendo de forma feliz sem problemas certo? É óbvio que se tratando de Dostoiévski não seria apenas isso e evidentemente ele usaria essa premissa para explorar temas existenciais e teológicos de grande relevância para os que tem dúvidas sobre a fé. Míshkin como referi antes, é um personagem trágico, trágico porque o ambiente ao seu redor está tomado por gente mesquinha, niilista e materialista da pior espécie, com os quais o autor busca fazer críticas em relação a sociedade russa e sobre como estavam perdidos em frivolidades "amantes de si mesmos" como o próprio autor diz. Em termos de caracterização Míshkin é um personagem bem redondo, não é o personagem mais complexo do autor mas é um dos mais interessantes sem dúvidas já que ao mesmo tempo que é bom, humilde e manso, também pode ser cínico, meio covarde, tímido e instável em raras ocasiões, este último é em consequência do ambiente radioativo em que ele se encontra, onde todos tentam lhe tirar vantagens e o tratam como imbecil.
O tratam como imbecil por sua natureza boa, já que quase todos são materialistas, todavia quando estão próximos dele, evidenciam o próprio caráter, a interpretação que tiro disso é que Míshkin representa a luz de Cristo, ele é a encarnação do ideal cristão que lança luz sobre as trevas e revela os demônios e as imperfeições humanas. Míshkin carece de sexualidade não por ser homossexual mas por ser casto e tendencioso a ver apenas o lado bom e inocente das pessoas, por mais que ele mesmo saiba que em geral está lidando com cretinos, coisa que ele está consciente e ainda sim procura meio que desesperadamente as boas características nas pessoas. Seu dilema é profundamente existencial já que ao mesmo tempo que tenta ser bom com todos, todos tentam tirar-lhe proveito, seu caráter atrai todo tipo de gente com más intenções porque sabem que ele não fará nada. É quando o autor nos coloca de forma meditativa o questionamento de "é possível ser bom com todos?" "perdoar os maus nos faz cúmplices?" "a pena de morte é cristã?" não há respostas dentro do livro, são reflexões que o próprio leitor pode tirar. A tragédia de Míshkin possui tons existenciais que merecem uma profunda reflexão, a primeira reflexão é sobre o que levou a família dos Epantchin a esse estado de decadência moral? De onde vem essa cobiça por bens materiais e idolatria do próprio ego?
É uma forma lírica do autor ressaltar a importância de Deus e de como essa mentalidade de "apenas eu e meus desejos importam" é ruim já que leva a uma alienação do mundo, a frieza no coração e a dissolução dos vínculos familiares que podem degenerar em coisas piores, essa questão é amplamente desenvolvida em "Irmãos Karamazov" por aqui temos um esboço de um tema importantíssimo. Saindo de Míshkin e falando finalmente dos outros personagens, temos Nastássia Filipovna que é talvez a personagem mais complexa do romance, se trata de uma burguesa de família "nobre" que desde cedo era culta e bem desenvolvida, sendo descrita como a encarnação da beleza, arrastava homens e despertava a admiração de todos por sua beleza e inteligência, sua beleza desperta o interesse de Rogojin e Míshkin que "disputam" seu "amor". A tragédia de seu personagem consiste em que ela desde cedo era adorada e despertava o interesse de vários homens, e era ciente de que todos que se aproximavam dela eram ou interesseiros ou apenas aventureiros seduzidos por sua peculiar beleza, ao conhecer Míshkin ela se deparou com um homem que genuinamente gostava dela não pela sua beleza ou dinheiro mas por quem ela era de fato, Míshkin a tratava bem e não julgava seus ataques de histeria nem sua personalidade problemática.
Devido a maturidade prematura e os mimos da nobreza, Nastássia Filipovna cresce em um ambiente vazio e carente de valores em plena ascensão do feminismo, tornando ela uma pessoa narcisista e com complexos de grandeza onde ela se vê como um ser superior que merece uma vida superior com alguém superior, de modo que sua personalidade é extremamente volátil e suas emoções e ações são difíceis de calcular de forma equacionar a causa e efeito, sendo ela intensa e bastante diferente de Míshkin que carece de sensualidade, coisa que não inspira Nastássia, terminando com o relacionamento entre os dois com a desculpa de que "não pode casar-se com um homem tão inocente e puro". Por outro lado temos Rogojin que é o extremo oposto de Míshkin, sensualista, mesquinho, niilista e com tendências assassinas, ele está totalmente apaixonado por Nastassia ao ponto de roubar para dar a ela brincos raros e até usar o dinheiro de seu pai para convencer os diretores de Nastássia a permitirem o noivado, ele se utiliza da personalidade gentil do príncipe para tirar vantagem e revela por vezes um instinto assassino que dura boa parte do livro até a consumação do ato.
O restante dos personagens são interessantes mas não possuem um grande impacto na história de modo que são relevantes a nível conceitual. Temos o patriarca Epantchin que é um coronel dono de pensões, um dos primeiros personagens que Míshkin conhece, temos Lizaveta Prokofievna e suas filhas que não possuem tanta relevância e que estão aí para ressaltar a falta de valores elevados na família, temos também o general Ivolguin, Ardaliónitch, Ivolguina e etc. São interessantes mas estão apenas para complementar os personagens principais. Finalizando com a resenha temos também os diálogos dos personagens sobre temas variados, Dostoiévski constantemente usa seus personagens para comentar assuntos e abordar temas importantes sobre a política, filosofia e estado das coisas, no caso dessa obra como em várias outras de sua autoria, fala-se acerca de como o niilismo está tomando conta da Rússia e de como os russos estavam exportando os "valores" europeus como se fosse a verdade absoluta e por consequência estariam traindo os valores russos, que o liberalismo nada mais era que a raiva contra a própria nação, indagações que considero corretas em vários níveis.
Nesse romance Dostoiévski também critica de forma incisiva a igreja católica dizendo que esta representa o ideal iluminista que por sua vez seria o próprio império do anticristo e que a igreja teria culpa em parte do niilismo que tomou conta da Europa no século 19, como católico essa crítica é bastante desagradável e até injusta por parte do autor, é verdade que a igreja católica atualmente é submissa aos governos ateus e que foi quase totalmente consumida pelos ideais do globalismo ao ponto de negar a própria tradição e sua grandiosidade histórica, ainda sim vejo como injusta a crítica de Dostoiévski já que desconsidera a árdua luta da igreja contra os ideais niilistas, expressos em vários documentos, é compreensível que ele tenha uma tendência forte à igreja ortodoxa, mas não acho justo esse tipo de criticismo pela própria história da igreja, porque se formos comparar as duas, a igreja ortodoxa deixou a Rússia ser tomada pelos bolcheviques terroristas enquanto que o Ocidente tentou retornar às raízes através da terceira posição, falhou e os estragos são sentidos até hoje. De resto concordo com a moral da obra de "não se deixar ser consumido pelo meio" é uma discussão válida e ao mesmo tempo perigosa já que é possível cair em argumentos russeaunianos de que o meio corrompe o indivíduo. Compactuo também com a ideia de que estamos caminhando para um niilismo destrutivo e um niilismo moral, o primeiro é representado nas barbáries cometidas pelos comunistas no século 20 e que está presente de forma escatológica no livro "Os Demônios" do mesmo autor aqui citado.
O segundo é representado pela carência religiosa e excessivo racionalismo que culminou nessa cultura atual de que a tecnologia e a ciência salvariam os seres humanos, como estamos vendo é todo o contrário, estamos mais imbecis que nunca, amantes de nossos egos, cada vez mais isolados das pessoas, com menos contato humano e vivendo sob a ameaça das ações maléficas de uma ciência que se vende como a salvação da raça humana ao mesmo tempo que produz armas biológicas, bombas atômicas, tecnologias extremamente questionáveis e escapismos cínicos que os desavisados imbecis se maravilham. Essa crítica é direcionada para todo mundo incluindo este que vos escreve, por vezes caí em ideias niilistas, ateias e em hedonismos baratos que me levaram a um estado de depressão e vazio existencial que culminou em ideias egoístas e cretinas, coisa que estou tentando mudar por hora através da oração. A conclusão de Dostoiévski sobre a religião cristã também considero certa em vários aspectos, quando ele diz que não há como racionalizar a religião e que apenas pela devoção e entrega da fé é que se pode superar o niilismo, é algo certo e a única forma existente de combater os senhores do mundo e os demônios que infestaram a Terra.
Tirando essas reflexões, o quão bom é esse livro? Bién, não é o melhor livro de Dostoiévski por várias razões, uma delas é por ser excessivamente longo, é um livro que conta com quase 700 páginas, onde pouca coisa ocorre realmente, é detalhista mas não aborrece com ninharias e mais da metade do livro é concentrado em aspectos mundanos que são usados para desenvolver os personagens, está ok mas não é necessário 700 páginas disso, não é como se houvesse um gigantesco estudo de personagem ou monólogos complexos que detalham a mente dos personagens como em Irmãos Karamazov, pelo contrário, o ponto do livro é mais concentrado nas ações dos personagens, uma forma mais complicada de escrever, usando de monólogos é mais fácil exprimir a mente do personagem, aqui existem ações concretas, ações das quais o leitor por intuição tenta captar a ontologia da obra. Outro problema com esse livro são os diálogos políticos, geralmente ocorrem do nada sem uma construção prévia fazendo com que pareça desconectado da história, o que não é o caso, os diálogos de política e filosofia estão intimamente conectadas com a obra mas devido a carência de sutileza termina dando essa impressão de algo está fora de lugar. Talvez a maior crítica que posso fazer a este livro é que ele é demasiado monótono em um ponto que foi desagradável ler algumas partes pelo excesso de falatório, o falatório esticado e arrastado está apenas para fazer o livro maior do que ele deveria ser.
Essa crítica sobre ser monótono é algo que pode afastar muita gente, porque diferente de outras obras de Dostoiévski, onde sempre está ocorrendo algo, seja um assassinato, uma investigação policial ou algum monólogo mind blowing que te prende até o final aqui encontramos uma espécie de slice of life filosófico. O início do livro é bem envolvente e tocante, em especial para os mais sensíveis e espirituosos, todavia a metade e o fim do livro possuem um toque novelístico bem abaixo para os padrões de escrita do Dostoiévski, coisa que ele corrigiu em Irmãos Karamazov, onde o drama funciona porque os personagens movem a trama, os diálogos e monólogos estão bem estruturados e justificados. Quer dizer que é um livro ruim? No, seus temas são altamente reflexivos, os diálogos apesar de extensos e aparentarem desconexão são interessantes para entender o contexto histórico bem como a visão do autor sobre os assuntos, não há nenhuma perda com o Personagem de Míshkin, Nastássia e Rogojin, são personagens bem construídos e a obra está carregada dos bons valores cristãos, o que me agrada nesse tipo de obra é que não há apenas sermões mas sim demonstrações, o livro não está cuspindo no leitor frases de efeito e receitas de conduta, está mostrando através de personagens bem construídos e humanos a forma da qual não devemos agir, é mais verossímil e capta muito mais pessoas que apenas dizer "hur o ateísmo é coisa do diabo" sabemos que é mas é mais interessante e agradável ver o porque de ser assim e as consequências, ainda mais que considero bastante a situação em que se encontrava o autor, é definitivamente um trabalho admirável e artisticamente belo, dotado dos melhores valores.
Escrita:7/10(excesso de detalhes em algumas partes)
personagens:8/10(os principais estão bem escritos)
temas:9/10(excelentes reflexões)
trama:7/10(zzzz em alguns momentos)
nota somada:8/10
nota final:8/10
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Vale a pena falar a verdade?
Posted : 2 years, 6 months ago on 10 May 2022 08:03 (A review of Don't Look Up)Don't look Up ou Não olhe para cima, é um filme de comédia recente sobre um suposto cometa que estaria em rota de colisão com a Terra, dois cientistas que eu não lembro o nome descobrem o cometa e tentam alertar a humanidade sobre o perigo mas terminam sendo ignorados pela mídia, políticos e sociedade em geral. É um filme que retrata a decadência moral, espiritual e ética dos americanos e uau confirma apenas tudo que já sei. Retrata bem uma certa parte da classe política de forma partidária, uma pena já que tira a credibilidade do filme e o renega a uma peça de propaganda, aliás o que não é propaganda atualmente? Basicamente o filme retrata de modo cômico como a sociedade americana está dividida e inerte sobre as coisas do mundo, nos mostra como são materialistas, promíscuos, boêmios(eles são o exemplo para a América Latina) e uma tonelada de coisas que já foram ressaltadas mil vezes em outras obras como Network ou Watchmen.
O que dá um certo ar de engenho nesse filme é a abordagem mais suave sobre os temas que critica em vez de ser algo excessivamente absurdo e cômico para lembrar a cada segundo que estamos vendo uma comédia, não há piadas sacadas do nada apesar do humor ser medíocre. Medíocre ao ponto de que algumas cenas me fizeram adormecer de tão tediosas, os personagens são rasos e sabemos pouco, pouco mas suficiente para esboçar uma certa caracterização de personagem, Randham Mindy é um cientista pacífico que simplesmente tentar racionalizar o cenário ao seu redor e Kate é apenas uma descontrolada e a personagem mais desagradável do filme, não que seu personagem seja insuportável, apenas que suas cenas me causam uma certa exasperação, está constantemente gritando ou chorando, é a representação do meme SoyFace. O restante dos personagens estão aí apenas para fazer um ponto e ressaltar a mensagem da obra.
A presidente está para ressaltar o quão burros e imorais são os líderes americanos, como são usurários, estúpidos e materialistas ao ponto que um reza pelos próprios bens em pleno fim do mundo, são em grande maioria sociopatas e gente cretina, posso concordar que alguns presidentes americanos são estúpidos e até criminosos(quase todos que lembro) coisa que o filme está consciente, aliás está consciente de seu espectro político tanto que critica apenas a um lado, a direita especificamente, porque bién é Hollywood e sabemos a procedência e toda a história relacionada aos engenheiros sociais refugiados da URSS(ops!). A crítica em relação aos políticos americanos é interessante apesar de unidimensional, todavia a crítica que mais me agradou foi em relação a futilidade do qual os americanos estão submersos, ao ponto de que uma notícia séria é menos relevante que o último relacionamento de uma algum atriz random, também vejo com bons olhos essa acidez em relação aos artistas ou celebridades, retratando-os como são na vida real, gente frívola, pueril e de péssima índole, basta analisar a vida de qualquer celebridade americana que certamente notará padrões repetidos.
O filme de uma maneira engenhosa mostra que a população está completamente alienada da realidade, sobre a carência afetiva que uma geração subjugada pela tecnologia tem de enfrentar, esse tipo de mensagem é agradável porque também contradiz a mensagem de que "estamos caminhando para o progresso e o avanço" o filme mostra todo o contrário, demonstrando como as redes sociais colaboram para uma cultura de imbecilização das massas. E Plus, também critica as cadeias televisivas que tratam de forma suave temas que catastróficos, denunciando um certo eufemismo apenas para agradar a audiência e isola-los da realidade que está acontecendo, o público não quer saber de problemas, é desagradável saber que está ocorrendo guerras, pandemias, inflação ou desastres naturais no? É mais agradável assistir minhas séries e filmes bonitos e se alienar da realidade com redes sociais no? Si, é exatamente assim na vida real, não é uma crítica de outro mundo já que centenas de filmes já fizeram isso, alguns até melhores como é o caso de Rede de Intrigas.
E óbvio, o filme também critica os bilionários que destroem a natureza com suas horríveis fábricas que por sua vez criam essa cultura de consumismo extremo que serve de consolo para o profundo vazio que as pessoas sentem, essa parte do filme não é tão criativa porque os "bilionários" são um tanto unidimensionais e obedecem a esse arquétipo de "velho capitalista malvadão" que não vai além de um mero criticismo caricato e superficial. Contudo vejo como bastante útil e interessante o diálogo do empresário com Randham onde o empresário explica que possui dados de quase todas as pessoas da Terra e de como o algorítmo de sua empresa modela o gosto pessoal das pessoas e vai profundo ao ponto de prever a personalidade e até hábitos, isso não é criticismo, nem teoria da conspiração, é um fato consumado e indiscutível. Que empresas usem dos nossos dados para experimentos sociais e psicológicos Já é sabido. "O idealismo que você tem é algo fabricado pelos meus algoritmos"
Por fim o filme termina com uma mensagem bonita sobre estar com seus entes queridos... Sim, acreditei que fosse apenas um filme vazio e carente de qualquer valor artístico, o filme termina com Randham se reconciliando com sua esposa e se reunindo com os amigos e filhos em torno de um jantar onde todos se dão as mãos, o simbolismo da cena é belíssimo mas o contexto por si próprio é carente de profundidade, posso rabiscar que o autor quis representar a importância de estar com entes queridos e que no final é o que importa, ignorando as loucuras do mundo com o pensamento de que "enfrentaremos qualquer coisa unidos" no qual é em si uma boa mensagem, não que o filme desenvolva muito além. Também há uma discussão a cerca da ciência e sobre como ela é boa e é o caminho para a verdade, contudo isso não passa de falácia e a ciência empregada sem um critério moral ou ético pode ser desastroso, a bomba atômica é um exemplo.
De modo que seria Don't Look Up um bom filme? No, os temas são interessantes mas são explorados muito superficialmente e está mais que claro que o autor deixou sua posição política influenciar, como comédia é fraco mas possui algumas piadas bem colocadas que destoam do clima apocalíptico e doomer que inspira. O departamento visual é bem estranho, em especial quando usam cgi recortado que soa como um efeito visual saído de algum episódio de Chapolin, a atuação é medíocre e até meio amadora em muitos aspectos, as críticas que o filme faz são rasas mas considero-las razoavelmente corretas até certo ponto, apenas Randham possui um transfundo interessante, sendo o restante do cast personagens temáticos que carecem de motivação ou sequer caracterização e o final é de meu agrado.
5/10
O que dá um certo ar de engenho nesse filme é a abordagem mais suave sobre os temas que critica em vez de ser algo excessivamente absurdo e cômico para lembrar a cada segundo que estamos vendo uma comédia, não há piadas sacadas do nada apesar do humor ser medíocre. Medíocre ao ponto de que algumas cenas me fizeram adormecer de tão tediosas, os personagens são rasos e sabemos pouco, pouco mas suficiente para esboçar uma certa caracterização de personagem, Randham Mindy é um cientista pacífico que simplesmente tentar racionalizar o cenário ao seu redor e Kate é apenas uma descontrolada e a personagem mais desagradável do filme, não que seu personagem seja insuportável, apenas que suas cenas me causam uma certa exasperação, está constantemente gritando ou chorando, é a representação do meme SoyFace. O restante dos personagens estão aí apenas para fazer um ponto e ressaltar a mensagem da obra.
A presidente está para ressaltar o quão burros e imorais são os líderes americanos, como são usurários, estúpidos e materialistas ao ponto que um reza pelos próprios bens em pleno fim do mundo, são em grande maioria sociopatas e gente cretina, posso concordar que alguns presidentes americanos são estúpidos e até criminosos(quase todos que lembro) coisa que o filme está consciente, aliás está consciente de seu espectro político tanto que critica apenas a um lado, a direita especificamente, porque bién é Hollywood e sabemos a procedência e toda a história relacionada aos engenheiros sociais refugiados da URSS(ops!). A crítica em relação aos políticos americanos é interessante apesar de unidimensional, todavia a crítica que mais me agradou foi em relação a futilidade do qual os americanos estão submersos, ao ponto de que uma notícia séria é menos relevante que o último relacionamento de uma algum atriz random, também vejo com bons olhos essa acidez em relação aos artistas ou celebridades, retratando-os como são na vida real, gente frívola, pueril e de péssima índole, basta analisar a vida de qualquer celebridade americana que certamente notará padrões repetidos.
O filme de uma maneira engenhosa mostra que a população está completamente alienada da realidade, sobre a carência afetiva que uma geração subjugada pela tecnologia tem de enfrentar, esse tipo de mensagem é agradável porque também contradiz a mensagem de que "estamos caminhando para o progresso e o avanço" o filme mostra todo o contrário, demonstrando como as redes sociais colaboram para uma cultura de imbecilização das massas. E Plus, também critica as cadeias televisivas que tratam de forma suave temas que catastróficos, denunciando um certo eufemismo apenas para agradar a audiência e isola-los da realidade que está acontecendo, o público não quer saber de problemas, é desagradável saber que está ocorrendo guerras, pandemias, inflação ou desastres naturais no? É mais agradável assistir minhas séries e filmes bonitos e se alienar da realidade com redes sociais no? Si, é exatamente assim na vida real, não é uma crítica de outro mundo já que centenas de filmes já fizeram isso, alguns até melhores como é o caso de Rede de Intrigas.
E óbvio, o filme também critica os bilionários que destroem a natureza com suas horríveis fábricas que por sua vez criam essa cultura de consumismo extremo que serve de consolo para o profundo vazio que as pessoas sentem, essa parte do filme não é tão criativa porque os "bilionários" são um tanto unidimensionais e obedecem a esse arquétipo de "velho capitalista malvadão" que não vai além de um mero criticismo caricato e superficial. Contudo vejo como bastante útil e interessante o diálogo do empresário com Randham onde o empresário explica que possui dados de quase todas as pessoas da Terra e de como o algorítmo de sua empresa modela o gosto pessoal das pessoas e vai profundo ao ponto de prever a personalidade e até hábitos, isso não é criticismo, nem teoria da conspiração, é um fato consumado e indiscutível. Que empresas usem dos nossos dados para experimentos sociais e psicológicos Já é sabido. "O idealismo que você tem é algo fabricado pelos meus algoritmos"
Por fim o filme termina com uma mensagem bonita sobre estar com seus entes queridos... Sim, acreditei que fosse apenas um filme vazio e carente de qualquer valor artístico, o filme termina com Randham se reconciliando com sua esposa e se reunindo com os amigos e filhos em torno de um jantar onde todos se dão as mãos, o simbolismo da cena é belíssimo mas o contexto por si próprio é carente de profundidade, posso rabiscar que o autor quis representar a importância de estar com entes queridos e que no final é o que importa, ignorando as loucuras do mundo com o pensamento de que "enfrentaremos qualquer coisa unidos" no qual é em si uma boa mensagem, não que o filme desenvolva muito além. Também há uma discussão a cerca da ciência e sobre como ela é boa e é o caminho para a verdade, contudo isso não passa de falácia e a ciência empregada sem um critério moral ou ético pode ser desastroso, a bomba atômica é um exemplo.
De modo que seria Don't Look Up um bom filme? No, os temas são interessantes mas são explorados muito superficialmente e está mais que claro que o autor deixou sua posição política influenciar, como comédia é fraco mas possui algumas piadas bem colocadas que destoam do clima apocalíptico e doomer que inspira. O departamento visual é bem estranho, em especial quando usam cgi recortado que soa como um efeito visual saído de algum episódio de Chapolin, a atuação é medíocre e até meio amadora em muitos aspectos, as críticas que o filme faz são rasas mas considero-las razoavelmente corretas até certo ponto, apenas Randham possui um transfundo interessante, sendo o restante do cast personagens temáticos que carecem de motivação ou sequer caracterização e o final é de meu agrado.
5/10
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O abismo que é a mente humana:
Posted : 2 years, 6 months ago on 27 April 2022 12:50 (A review of Notes from Underground)O abismo que é a mente humana:
Depois de um tempo decidi fazer um remake de minha resenha sobre Memórias do Subsolo porque esta carecia de detalhes mais profundos, a verdade é que esse livro necessitaria de outro livro apenas para explica-lo, tal é a grandiosidade de seus temas, o genial Dostoievski logrou representar através dessa obra vários aspectos sobre a psique humana, desenvolvendo temas como Niilismo existencial, individualismo, egoísmo racional, depressão e um largo etc. O livro gira em torno de um personagem sem nome, mais conhecido como "narrador" ou simplesmente "O homem do subsolo" que se trata de um homem amargurado e mesquinho que decide se isolar em um subsolo passando toda a sua vida distante do mundo, perdido em seus próprios pensamentos onde divaga e escreve algumas coisas sobre a vida. Com esse livro, quis Dostoievski alertar o mundo sobre as ideias que estavam tomando conta do mundo ocidental, antecipando em várias de suas obras, vários movimentos, ideias e acontecimentos, sua obra permanece brutalmente atual e é quase um choque que ele tenha antecipado isso quase 200 anos antes. Passando por temas como comunismo, socialismo, utopismo e anarquismo, o livro do subsolo se concentra mais em torno dos aspectos do niilismo moral que é largamente atacado nessa obra.
Dando um panorama geral, Dostoievski em sua juventude participou de movimentos revolucionários anti-czaristas, sua mudança de mentalidade ocorre quando esteve prestes a ser condenado a enforcamento por conspiração, somado a sua dura e triste história, passando por momentos perturbadores como presenciar a morte de um estudante por um grupo niilista, experiência essa que o impactou profundamente, passando por várias reflexões durante seu tempo de prisão, Dostoievski finalmente percebe o problema que havia em sua filosofia e visão de mundo, é então que, frustrado pelo que presenciou e viu, veio a escrever textos totalmente contrários às ideias que estavam ganhando espaço na Rússia. Cabe esclarecer que grande parte dos pensadores revolucionários da época tiravam suas ideias diretamente do Ocidente fortemente influenciados pelos ideais marxistas e russeaunianos que estavam na moda até então. As discussões a respeito do niilismo na literatura ganha popularidade em 1862, quando Ivan Turgnev publica o seu melhor livro até então "pais e filhos" do qual os personagens discutem a respeito dessa nova ideia que estava se tornando popular nos meios acadêmicos e em especial entre os jovens.
O niilismo na literatura é um tanto antigo e é dotado da velha dúvida sobre a existência ou não de Deus, se Deus não existe então tudo é possível? Se não há Éden então poderíamos criar aqui na Terra o nosso próprio Éden? Os niilistas negam tudo, negam a ordem, a moral e todo conceito ou definição. Um dos pilares do niilismo é o egoísmo racional, essa filosofia prega que devemos maximizar os nossos interesses individuais de uma forma utilitária a fim de buscar a felicidade entre os indivíduos, que deves pensar apenas em ti mesmo, usando de qualquer artifício para lograr essa tal felicidade. Se não consegues enxergar o problema com essa filosofia então estás mau da cabeça. Muitas dessas ideias possuem suas raízes no determinismo racional que é outra corrente de pensamento igualmente errônea já que ignora os aspectos inerentes da natureza humana e reduzem tudo a números em uma tentativa de racionalizar cada aspecto de nossas vidas, até mesmo seu prazer ou dor, humor ou personalidade através de cálculos e da tecnologia, e isso como todos bem sabem evoluiu para o transumanismo que possui implicações ainda mais sinistras desde o ponto de vista filosófico, mas por hora me deterei a falar apenas sobre o egoísmo racional.
Dostoievski via com maus olhos essa ideia de egoísmo racional e considerava um perigo genuíno porque vejamos, glorificar o "eu" é uma ideia bastante perigosa se tomamos em conta de que possuímos falhas e que não somos absolutos, logo carecemos de vários conhecimentos e valores que são adquiridos apenas com o tempo e com outras pessoas, como os nossos pais, idolatrar o "eu" levaria as pessoas inevitavelmente ao egoísmo puro que nos jogaria em uma espiral de loucura e niilismo, basicamente seria algo como "dane-se o mundo, dane-se as pessoas, dane-se tudo e apenas importa a minha pessoa". Para Dostyevski, estaríamos caminhando para um princípio de individualidade extrema, de intensa autopreservação, de egoísmo pessoal, da vivência em função de si mesmo, desgraçadamente ele estava certo e tudo que apontou em suas críticas se intensificaria com o passar dos anos, ao passo que hoje há por ai centenas de pessoas como o homem do subsolo, a tecnologia tomou proporções gigantescas ao ponto de que as interações humanas diminuíram significativamente, tudo se dá através da tecnologia, as pessoas se tornaram mais individualistas e por consequência, mais solitárias e vazias. E estamos caminhando para que haja mais conforto, mais tecnologia, mais comodismo e mais individualismo e por consequência haveria certamente uma expansão de aberrações pelo mundo. Dostoievski acreditava que essa glorificação do "eu" tornaria as pessoas mais frias e por consequência o amor humano esfriaria, conectando com a passagem bíblica de Matheus 24:12 "o amor de muitos esfriará".
O mundo ia por um caminho do qual deixaria de lado a religião, contrastando com as ideias de Dostoievski que clamava pelo retorno às tradições, ele ao contrário acreditava no valor das relações humanas, da religião, do amor fraterno e incondicional, passando sempre em suas histórias a moral cristã e sobre o quão importante é "amar o próximo" não apenas por conveniência ou por esperar algo em troca de forma utilitária, mas sim para estabelecer uma melhor relação e um ambiente mais saudável e humano. "O amor ao próximo não pode sair de nenhum cálculo ou interesse próprio". É então que chegamos finalmente ao livro, o personagem do subsolo totalmente dominado por essa ideia de egoísmo racional, onde ele acredita que está em um nível superior por ter rejeitado a moral e de ter transcendido para um estado mais alto. Ele descreve a si mesmo como um "intelectual moderno", e bién é bem óbvio que hoje em dia estejamos submersos por intelectuais, cientistas e figuras públicas que pregam o individualismo extremo tais como "que podemos fazer o que quisermos pois não há consequências" eu posso ser um hedonista degenerado ou um pervertido libertino e não há problema porque afinal a sociedade que se dane, não tenho que me preocupar com os outros porque sou mais importante que tudo e tudo gira ao redor de mim, acabo de descrever uma parcela significativa da população.
Como mencionei anteriormente vários intelectuais russos estudaram na Europa e importaram essas ideias para o resto do mundo, um desses foi Nikolay Chernyshevsky, outro desses idealistas utópicos que acreditava em sociedades perfeitas regidas pelos cálculos e pela tecnologia tendo como Deus, a ciência e seus livros estão dotados de ideias russeaunianas de que o meio que corrompe o homem e não o homem em si que já é corrompido, ideia essa que já expliquei melhor em minha resenha de "os demônios". Retornando a Chernyshevsky, este compartilhava da ideia de Rousseau de que o homem é naturalmente bom e receptivo da intelectualidade e que se fôssemos regidos pela razão, alcançaríamos a sociedade ideal, a sociedade utópica onde tudo é calculado e que não há sofrimentos ou tristezas e que mesmo essas emoções poderiam ser solucionadas pela tecnologia(drogas, pornografias, realidade virtual ou qualquer coisado tipo) alcançando um estado de individualismo onde o homem não teria capacidade de cometer o mal pois estaria perfeitamente feliz e preservado de dores ou quaisquer mal, um pensamento utópico que continua sendo utópico porque bruh a realidade. Sobre o pensamento utópico e o pensamento messiânico eu já abordei em minha resenha de "Os demônios", mas pincelando um pouco diria que o que torna o pensamento utópico impraticável é justamente a sua natureza idealista que a isola do espaço tempo, sendo algo que está além das condições humanas, por mais que tenhamos tecnologias, continuamos cometendo erros, por mais que tenhamos a ciência, ainda sim não somos perfeitos e sempre haverão guerras, conflitos e discordâncias de pensamento porque o ser humano não pode ser definido por cálculos, somos de certa forma instáveis e imprevisíveis.
Tentar impor a todos um sistema onde tudo é previsível e calculado é impossível, mesmo materialmente já que, não há como prever desastres naturais, guerras e revoltas, o momento atual é uma prova disso, ninguém conseguiria prever uma pandemia ou uma guerra na Europa. O que está mau com esse pensamento de Chernyshevsky é que também nos condiciona a um estado de mediocridade já que se todos formos iguais não haverá graça alguma, a vida se tornará monótona e com toda certeza do mundo haveria alguém para desafiar o status quo. Em seu romance Chernyshevsky idealiza o "palácio de cristal" que representa a conquista da excelência da humanidade, um lugar onde todos os problemas do mundo seriam resolvidos e que se seguíssemos esse caminho, a humanidade teria seu próprio palácio de cristal, dando abertamente um argumento contra o livre arbítrio, analisemos que se tudo pode ser determinado e que sigamos esse modelo determinista, automaticamente perderíamos nosso livre arbítrio e por consequência nossa individualidade, logo esse sistema entraria em um paradoxo incalculável. Para refutar essa ideia, Dostoievski em seu livro "memórias do subsolo" usa o homem do subsolo para demonstrar como essa filosofia de egoísmo racional peca ao desconsiderar toda a natureza humana.
Dostoievski acreditava que o ser humano era falho e que sempre tenderá à irracionalidade, que é instintiva e intuitivamente destrutivo e violento, que apenas a fé cristã é que poderia ajudar a humanidade a dominar o caos e os impulsos. Essa ideia é largamente explorada em seu outro romance "Irmãos Karamazov"(do qual já fiz uma resenha) através do personagem de Starietz Zósima que acreditava que apenas domando os impulsos e o egoísmo é que poderíamos amar verdadeiramente as pessoas "o jejum, a oração e a devoção são os únicos caminhos para a verdadeira liberdade, o domo e o flagelo da vontade egoísta é o que transforma o ser humano em um ser dotado de amor e compaixão". As ideias utópicas que Dostoievski tanto criticava terminaram se tornando regra quando houve o apogeu dos ideais comunistas e do liberalismo social democrata, que deu origem a várias atrocidades cometidas durante o século 20. A ideia de criar uma sociedade perfeita sem a figura de Deus resultou em dezenas de massacres, pobreza, guerras, mortes, niilismo, ateísmo, imoralidade e genuína deturpação do gênero humano ao ponto de que quase todas as abominações que vemos hoje em dia é fruto direto da falta de Deus e desse pensamento inconsequente e niilista, a ascensão do materialismo trouxe consigo diversos problemas como o aumento descontrolado de suicídio, depressão, ansiedade, hedonismo e etc. Chegou a um certo ponto em que algumas pessoas não são capazes de entender o problema que há em se degradar em vícios.
Passando para o personagem, O homem do subsolo é um anti-herói, funcionário público que vive de sua aposentadoria em seu subsolo, amargurado, triste e solitário sem nenhum amigo ou esposa, odiando a si mesmo em um lugar apertado com alguns ratos e insetos de companhia, tomado por um ar claustrofóbico onde passa anos de sua vida ouvindo as pessoas conversarem, escrevendo em seu diário. "Sou um homem doente, sou rancoroso.. sou um homem pouco atraente. Acho que meu fígado está doente... Não, me recuso a consultar um médico por despeito... Meu fígado está bem ruim... Bom, deixe piorar" somos introduzidos a um personagem triste e emocionalmente quebrado onde o autor irá explorar sua mente através de um detalhado monólogo interno do personagem. Ele vive de escrever para um público que não existe, se auto despreza constantemente, tal é seu grau de alienação que mente para si próprio e para os seus supostos "leitores" dizendo as vezes que é incapaz de se definir, tendo que inventar algumas características, como de que ele é "rancoroso, mal, egoísta" como dito pelo mesmo:
“Na realidade, eu nunca poderia me tornar rancoroso. Eu estava consciente a cada momento em mim de muitos, muitos elementos absolutamente opostos a isso... eu sabia que eles estavam fervilhando em mim toda a minha vida e desejando alguma saída de mim, mas eu não os deixaria... de propósito não os deixaria vir Fora. Atormentaram-me até me envergonhar: levaram-me a convulsões e – enfim, adoeceram-me, como me adoeceram!”
entre algumas aspas, poderíamos dizer que o objetivo do homem do subsolo é conseguir definir ou moldar o seu caráter sendo ele uma mistura de emoções caóticas e conflitantes, uma genuína busca por si mesmo, ele não sabe quem é e sabe que o seu estado normal é não saber quem é, não atoa ele carece de nome no livro. Para fugir da sua realidade miserável, o homem do subsolo busca refugiar-se em livros e em histórias fantasiosas, uma espécie de escapismo que ele usa para fugir de seus problemas. Até este ponto encontramos alguém emocionalmente quebrado e com sérios problemas psicológicos, alguém afundado em um abismo mental, incapaz de se auto reconhecer, isolado das pessoas que ele considera inferiores a ele, em outras palavras ele é um hikikomori, que em japonês se refere a alguém com problemas de socialização e que passam boa parte do seu tempo em casa, longe do mundo e das pessoas, distantes e inertes em seus próprios pensamentos. Esse tipo de pessoa sabe de sua condição, coisa que a envergonha profundamente e para esquecer desses problemas eles buscam refúgios em coisas como jogos, livros de fantasia, filmes ou animes, as vezes até em coisas mais baixas como pornografia, porque dá ao indivíduo um certo alívio nessa montanha de sentimentos ruins e melancólicos. “Todo homem tem reminiscências que não contaria a todos, mas apenas a seus amigos. Ele tem outros assuntos em mente que não revelaria nem aos amigos, mas apenas a si mesmo, e isso em segredo. Mas há outras coisas que um homem tem medo de dizer até para si mesmo, e todo homem decente tem muitas dessas coisas guardadas em sua mente. Quanto mais decente ele for, maior será o número de tais coisas em sua mente.”
Nessa parte o homem do subsolo se refere aos nossos demônios internos, nosso medos e aflições, coisa da qual todos temos e sempre teremos, medo da morte, medo da rejeição, da solidão e do desprezo ou da humilhação, no caso do protagonista ele foi dominado pelos seus demônios internos. Sua tragédia consiste em que ele deixou o convívio social, se isolou do mundo por um medo obscuro de ser rejeitado ou de ser mau visto, estando sempre racionalizando cada passo entrando em um abismo de pensamentos, que Dostoievski nomeia de "hiperconsciência" se trata de um estado de espírito onde o indivíduo não consegue conceber nada além de seus pensamentos, estando quase que inteiramente absorto em suas ideias por várias horas do dia, é uma pessoa que pensa demais em coisas que não deveria pensar. O protagonista é uma vítima da hiperconsciência e está sempre antecipando coisas em sua cabeça, prevendo reações e temendo que tudo dê errado, ele pensa tanto que não consegue entender ninguém nem ele mesmo, sendo esmagado pelas suas inseguranças e medos internos.
Para ignorar o que lhe acontece, o homem do subsolo cria para si mecanismos de defesa e autopreservação, está sempre arrumando desculpas toscas para si mesmo, justificando suas tolices através de mentiras que ele conta para si mesmo, que "não fiz tal coisa porque Deus me impediu" ou "só não vou lá porque não vai me trazer nenhum benefício". Dostoievski nos dá a analogia do muro, quando enfrentamos uma dificuldade que é impossível de ser solucionada, ou seja, um muro em nossa frente, somos incapazes de derrubar o muro com a força própria, uma vez que ele não consegue derrubar o muro então ele passa a pensar e pensar muito, retornando ao tema da hiperconsciência “É claro que não posso romper a parede batendo minha cabeça contra ela se realmente não tenho forças para derrubá-la, mas não vou me conformar com ela simplesmente porque é uma parede de pedra e não tenho força . Como se tal parede fosse realmente um consolo…”. Em poucas palavras, o homem do subsolo está preso em seus próprios pensamentos infinitos, diante do muro que ele não vai derrubar.
“Eu não sabia como me tornar nada; nem rancoroso nem bondoso, nem patife nem homem honesto, nem herói nem inseto. Agora, estou vivendo minha vida no meu canto, zombando de mim mesmo com o consolo rancoroso e inútil de que um homem inteligente não pode se tornar nada seriamente, e é apenas o tolo que se torna qualquer coisa.”
Mais uma vez o livro ressalta a busca do personagem pela identidade própria, o homem do subsolo encontra consolo porque é mais esperto que todos ao seu redor porém, socialmente estão todos bem acima dele. A sua vaidade e narcisismo o leva a menosprezar todos ao seu redor, mas ele não consegue viver em paz sem que saibam que ele é superior e acaba caindo em autodesprezo quando percebe que todos o tratam com indiferença. Apesar de ninguém odiá-lo realmente, ele cria em sua cabeça a noção de que todos detestam e menosprezam ele, o apelido que ele dá a si mesmo de "rato" “O rato sem sorte consegue criar em torno de si tantas outras maldades na forma de dúvidas, emoções e desprezo que lhe são lançados pelos homens de ação diretos… acenar com a pata e, com um sorriso de desprezo assumido em que nem ela mesma acredita, rasteja vergonhosamente em sua toca de rato. Ali, em sua repugnante, fedorenta, casa subterrânea, nosso camundongo insultado, esmagado e ridicularizado prontamente se absorve em despeito frio, maligno e, acima de tudo, eterno. Por quarenta anos juntos, ele se lembrará de sua lesão até os menores e mais ignominiosos detalhes, e cada vez acrescentará, por si mesmo, detalhes ainda mais ignominiosos, provocando e atormentando-se maldosamente com sua própria imaginação.”
O homem do subsolo é uma pessoa morta em vida, que não conseguiu ascender nem socialmente nem financeiramente devido o seu isolamento e temperamento arrogante e narcisista que só consegue encontrar prazer no seu atual estado de desesperança e desespero. E ele entende que as pessoas não entenderão o que ele sente e sempre o tratarão com indiferença “O que quer que tenha acontecido, aconteceu de acordo com as leis normais e fundamentais da consciência intensificada e por uma espécie de inércia que é uma consequência direta dessas leis, e... tentar."
Além disso o homem do subterrâneo é um sádico que consegue encontrar prazer no sofrimento, ele sofre e sente dor para que os outros ao redor dele sofram também, uma espécie de condição onde o indivíduo com ódio extremo termina causando dor a si mesmo em busca de chamar atenção, confessando que ele é um masoquista “Senti uma espécie de deleite secreto, anormal, desprezível, quando, ao voltar para casa numa das noites mais sujas de Petersburgo, percebia intensamente que, novamente, eu havia sido culpado de alguma ação covarde naquele dia… e interiormente, secretamente, eu Eu ficava me importunando, me preocupando, me acusando, até que finalmente a amargura que eu sentia se transformou em uma espécie de doçura vergonhosa e condenável e, finalmente, em verdadeiro prazer positivo! Sim, em deleite! … A sensação de prazer estava lá apenas porque eu estava tão intensamente consciente da minha própria degradação .” É uma condição onde o sujeito passa a amar a sua própria degradação, ao ponto de sentir prazer nela, não há como racionalizar isso, é apenas o reflexo e uma demonstração do quão quebrado está o nosso protagonista.
O homem do subsolo ao perceber que está perdido em um determinismo gerado pelo egoísmo racional, ele termina praticando uma espécie de auto sabotagem onde ele acredita que não há nada que ele possa fazer para mudar ou melhorar. Enquanto sua mente lhe proporciona a racionalidade e o livre arbítrio, ela também lhe joga em um abismo, esse abismo é o determinismo, ele tem ciência de que não irá melhorar nem mudar e é então que sua mente se torna ao mesmo tempo, a sua amiga e a sua principal inimiga. O homem do subsolo acredita que o homem nunca se acostumará com o determinismo e que sempre estará disposto a sacrificar os seus comodismos pela livre escolha. O protagonista é contra o racionalismo, mas não contra a racionalidade, ele acredita que o racionalismo nos guiará para um sistema monótono onde perderíamos o nosso livre arbítrio, e que no fundo isso jamais aconteceria, pois as pessoas não se conformariam com o mesmo a vida inteira. É aqui que a visão do autor do livro fica mais clara já que Dostoievski é contra essa ideia de que a racionalidade e o progresso trazem mais felicidade aos seres humanos, no fim ele estava certo já que nunca em toda a história tivemos índices tão altos de suicídios e depressão. Durante a prisão na Sibéria, Dostoyevsky observou que muitos dos seus colegas enlouqueciam de propósito. Este ponto implica que a filosofia egoísta racional teria que levar em consideração a ação humana e sua imprevisibilidade, refutando toda a ideia por trás.
“O homem gosta de fazer estradas e criar, isso é um fato indiscutível. Mas por que ele tem um amor tão apaixonado pela destruição e pelo caos também? … Não será que ele ama o caos e a destruição… porque tem medo instintivo de atingir seu objetivo e completar o edifício que está construindo? Quem sabe, talvez ele só ame aquele edifício de longe, e não o ama de perto; talvez ele apenas ame construir e não queira morar nela... De fato, o homem é uma criatura cômica; parece haver uma espécie de brincadeira em tudo isso…”
Aqui o autor explora a nossa relação com os objetivos e metas, sobre temer concluir algo e esse algo não satisfazer por completo, gerando um gosto amargo, somos por natureza ingratos e nunca estaremos totalmente conformados com a realidade. O autor do livro também diz que jamais o homem renunciará ao sofrimento e que somos amantes do sofrimento.
Ao final de contas, quão bom é esse livro? Bom, apesar de contar com apenas um personagem, ignorando os secundários que não possuem caracterização e existem apenas para nos demonstrar o quão quebrado o nosso protagonista está. O personagem principal é fantástico a nível de escrita e é um dos personagens mais complexos já escritos, possui vários questionamentos, inseguranças, medos, ideias, dilemas e uma genuína exploração em sua psique, Dostoyevsky tem um dom para escrever personagens psicológicos, tenho pouquíssimo do que criticar e tirando o fato de que o protagonista não possui um contraponto ou um bom final, ainda considero esse um dos melhores e se não o melhor, estudo de personagem jamais escrito e finalizo com:
Personagen:10/10
desenvolvimento:9/10
temas:10/10
importância:9/10
escrita:9/10
nota final:9,4/10
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The Sculptor review
Posted : 2 years, 7 months ago on 26 April 2022 12:38 (A review of The Sculptor)O Escultor de Scott Mccloud é uma hq lançada em 2015 que conta a história de um escultor frustrado de nome David Smith que após fracassar em mais um de seus trabalhos acaba entrando em um estado de depressão onde acaba fazendo um acordo com a morte onde esta lhe concede poderes de materializar todas as suas ideias, no entanto David tem apenas 200 dias para fazer suas esculturas se tornarem populares, nesse meio tempo ele conhece Meg uma ex-atriz também frustrada que desenvolve um romance por David do qual termina sendo chave para o desfecho da obra. Passando por vários temas como o valor da vida, o valor da arte, transcendência, morte e consequência, com David sacrificando sua vida inteira pela arte ao invés de seguir uma vida cômoda e padrão como sugerido pela morte, David argumenta que todos temos um propósito para cumprir enquanto vivos e que por mais satisfatória que seja sua vida, imortalizar e transcender a própria morte criando fama e sendo lembrado é mais importante que tudo isso, uma mensagem interessante.
De modo que David quer criar uma arte que seja imortalizada no mundo e que não seja esquecida jamais, explorando temas interessantes sobre a individualidade e se podemos nos tornar mais que medíocres, a hq apresenta dois pontos de vista dispares em que um, a arte transcende a vida do autor e influencia milhares de pessoas, por outro lado também nos joga a dúvida de que seremos inevitavelmente esquecidos com o passar dos anos e que nada no mundo é infinito. A hq toma a via mais otimista dizendo que "apesar de que seremos esquecidos, ainda sim devemos aproveitar cada momento no presente" porque mesmo após a morte podemos deixar nossas marcas em outras pessoas que transcenderão os valores que você passou enquanto vivo deixando um certo impacto. Por outro lado jamais seremos lembrados se nossas obras não representam nada e não significam nada, David percebe isso quando sua esposa Meg morre e é então que decide fazer sua última super escultura que basicamente é uma escultura de Meg erguendo uma criança, em celebração à vida. O ponto alto da obra é que David sempre quis ser lembrado por algo e suas esculturas iniciais são bombásticas mas não significam nada e não possuem nenhum valor, quando a única pessoa que tinha consideração por ele morre é então que ele percebe que ser lembrado não significa nada se for apenas isso e que o grande plot está em ser lembrado pelo valor transcendente que suas obras representam.
Sobre a pergunta se "vale a pena morrer pela arte?" a resposta está na hq, David aprende ao final que devemos fazer sacrifícios pela arte, mas não sacrificar a própria vida, lembrando que a arte é um complemento da vida e não seu propósito final. Tanto que a escultura final de David é justamente para ressaltar o ponto de que "vale a pena viver" viver antes de tentar imortalizar suas obras, David no início queria imortalizar tudo que via e sentia, mas tudo isso não significava nada além de situações disformes e voláteis, essa é uma das razões também pela qual a arte de David era menosprezada por todos, e entendendo o erro que cometeu quando fez o acordo com a morte. Outro assunto abordado na hq se refere a conexão humana, coisa que David consegue sentir apenas quando está com Meg, ressaltando a importância do contato humano. Passando por esse tema temos também uma discussão filosófica a respeito do subjetivismo, com o amigo de David acreditando que tudo pode ter valor, que o valor de algo é estritamente subjetivo, e que se eu tenho o desejo de tornar algo valioso e importante eu posso, não importa o que seja, David por outro lado argumenta que as coisas possuem valores bem definidos e mesmo que ignoremos ou simplesmente esqueçamos esse valor ele ainda estará lá, dando uma mensagem contra essa ideia moderna de subjetivismo e demonstrando porque a arte moderna(cubismo e dadaísmo) no fundo não significam nada e carecem de valor transcendental.
Outro tema que a hq explora é em relação a mediocridade, sobre se somos capazes ou merecedores de nossos objetivos e sonhos, como explicado na obra existem vários David Smith e cada um com um certo grau de relevância, David entendendo isso passa sua vida inteira buscando ser reconhecido vivendo em função disso, esquecendo e ignorando todos ao seu redor se tornando solitário e vazio, e por consequência perdendo amigos e oportunidades ressaltando novamente o valor do contato humano e ao mesmo tempo semeando uma discussão sobre se podemos superar a mediocridade por esforço próprio ou somos apenas frutos de situações do acaso, e a hq em vez de dar uma mensagem cômoda de que não somos responsáveis por nossos atos e que tudo depende de fatores externos e das circunstâncias, pelo contrário, nos mostra que o esforço é a chave para lograr as metas, no entanto nos mostra que devemos medir e direcionar esse esforço para algo de valor, caso o contrário terá sido perda de tempo. A mensagem central é que devemos nos esforçar para lograr nossos objetivos, mas não devemos colocar nossos objetivos acima de nossas vidas porquê são justamente os nossos objetivos que nos impulsionam a viver, regressando novamente à mensagem final da história de que a vida vale a pena.
No entanto, mesmo cumprindo com nossos objetivos, podemos ser pessoas mortas em vida certo? Sim, assim como David que se esforçava e vivia tentando fazer sua arte dar certo mas falhava porque mesmo tendo objetivos e metas, ele não valorizava a própria vida e ignorava as pessoas ao seu redor e somente quando conhece Meg é que se dá conta do abismo que estava, vazio e morto por dentro, aprendendo no final sobre o valor da vida e do contato humano, contemplando toda sua trajetória em uma cena sensacional vendo tudo passar pelos seus olhos por alguns segundos, desde o nascimento até aquele instante. Sobre os personagens tirando Meg e David, o restante está apenas para complementar esses dois, sobre ambos não há o que criticar, estão perfeitamente explorados, possuem seus próprios dilemas, conflitos e psicologia por trás que os tornam personagens bastante redondos e completos. Em termos de exploração David é perfeito, tem um arco de evolução, vários questionamentos, inseguranças e etc. Sendo David alguém cínico, meio narcisista, melancólico e depressivo ao contrário de Meg que é alegre, empática e extrovertida mas que ao mesmo tempo possui defeitos como de ter crises de depressão momentaneamente e de ter certos traços de promiscuidade assim como David que possui algumas virtudes como ser leal, ter senso de responsabilidade e força de espírito para cumprir suas metas, com ambos complementando um ao outro em suas falhas e virtudes. O que poderia criticar da obra é que tem uma arte bastante simples e alguns erros de desenho aqui e ali mas sinceramente não é algo que apague a grandeza dos seus temas, de forma que não dou a essa hq um 10/10 apenas porque gostaria que aprofundasse mais todos os seus temas, ainda sim é uma obra digna de 9/10.
PERSONAGENS:10/10
DESENVOLVIMENTO:10/10
TEMAS:10/10
ARTE:7/10
NOTA FINAL:9,25/10
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Super review
Posted : 2 years, 7 months ago on 21 April 2022 07:22 (A review of Super)Super é um filme de comédia tarantinesco que gira em torno de um herói fracassado com crises de meia idade e que sai em busca de recuperar sua esposa de traficantes, um resumo básico porquê o filme em si não tem nada muito profundo, é uma comédia baseada em absurdismos e piadas extremas contando com muito gore, uma trilha sonora badass e situações aleatórias. O ponto mais alto desse filme sobre o protagonista que está complexado por ser um beta perdedor, entrando em uma crise onde passa delirar e percebe que não fez nada de grandioso durante a vida, sendo satirizado por ter como as únicas coisas boas ter se casado e ter ajudado a prender um bandido.
O drama do protagonista está justificado e chega a ser reflexivo por alguns momentos, o problema é que estamos falando de uma comédia altamente influenciada pelos filmes de Tarantino, que repete os mesmíssimos erros do dito cujo, pessoalmente esse tipo de comédia não é algo que me impressiona porque já vi dezenas de milhares de filmes desse tipo, com violência e gore desmedido e uma pretensa exploração temática que é bem conceitual, para quem não viu tantos filmes pode ser engraçado, para mim em particular foi meh. Também elogiei o drama do protagonista certo? bom, esse também não faz lá tanto sentido se considerar que ele está atrás de uma cretina drogada que não se importa com ele, me soa estranho porquê faz parecer que o conflito principal seja algo fútil.
Poderia dizer que o filme é sobre fazer coisas em vez de se contentar com nada, no entanto podemos considerar que os atos do protagonista não possuem sentido algum e carecem de uma busca mais complexa por valores mais elevados em vez de ser pura violência e brutalismo. Pode parecer estúpido procurar tais coisas em filmes de comédia pela natureza do gênero, mas a verdade é possível sim conseguir tais coisas ao mesmo tempo que se busca ser algo divertido utilizando-se de situações absurdas e cômicas, temos fartos exemplos disso. Apesar disso não odiei o filme e sinceramente é divertido até certo ponto, gostei do drama do protagonista, muitas coisas vi como algo de mau gosto, como a morte da ajudante, em suma é um filme medíocre com boas intenções mas com execução precária e que pode ser divertido para passar o tempo.
6/10
O drama do protagonista está justificado e chega a ser reflexivo por alguns momentos, o problema é que estamos falando de uma comédia altamente influenciada pelos filmes de Tarantino, que repete os mesmíssimos erros do dito cujo, pessoalmente esse tipo de comédia não é algo que me impressiona porque já vi dezenas de milhares de filmes desse tipo, com violência e gore desmedido e uma pretensa exploração temática que é bem conceitual, para quem não viu tantos filmes pode ser engraçado, para mim em particular foi meh. Também elogiei o drama do protagonista certo? bom, esse também não faz lá tanto sentido se considerar que ele está atrás de uma cretina drogada que não se importa com ele, me soa estranho porquê faz parecer que o conflito principal seja algo fútil.
Poderia dizer que o filme é sobre fazer coisas em vez de se contentar com nada, no entanto podemos considerar que os atos do protagonista não possuem sentido algum e carecem de uma busca mais complexa por valores mais elevados em vez de ser pura violência e brutalismo. Pode parecer estúpido procurar tais coisas em filmes de comédia pela natureza do gênero, mas a verdade é possível sim conseguir tais coisas ao mesmo tempo que se busca ser algo divertido utilizando-se de situações absurdas e cômicas, temos fartos exemplos disso. Apesar disso não odiei o filme e sinceramente é divertido até certo ponto, gostei do drama do protagonista, muitas coisas vi como algo de mau gosto, como a morte da ajudante, em suma é um filme medíocre com boas intenções mas com execução precária e que pode ser divertido para passar o tempo.
6/10
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The Death of Ivan Ilych review
Posted : 2 years, 7 months ago on 12 April 2022 11:05 (A review of The Death of Ivan Ilych)A morte de Ivan Ilyich, uma novela ou conto, não sei, escrito pelo romancista russo Liev Nikolaevitch Tolstoi ou apenas Tolstoi, conta a história de um juiz de alta corte que está morto, bom essa é a primeira parte do livro, na segunda parte o personagem de Ivan é caracterizado como personagem, é um livro estilo Memento Mori, uma reflexão sobre a vida e a morte, abordando temas como o comodismo e insensibilidade, estagnação e tanatofobia, sendo um dos mais memoráveis livros do autor. Sem dúvidas a literatura russa é famosa pelas tragédias e histórias impactantes, toda a obra de Dostoievsky por exemplo, estão sempre relatando algo relevante, com grandiosos estudos de personagem, um exemplo do que falo é Memórias do Subsolo, um livro sumamente reflexivo que conta com vários temas sobre o existencialismo ao mesmo tempo que é um estudo de personagem.
Bueno, não querendo desviar do foco, como já devem saber, o fato de ser famoso pouco importa se o conteúdo do livro é inútil ou se está promovendo ideias ruins e anti-pragmáticas, não é o caso do livro, estamos falando de uma história sobre um funcionário público que passou sua vida estagnado e inerte em relação ao mundo, procurando viver de medíocre sem perspectiva de subir de nível ou grandes aspirações, com uma mulher insensível e amargurada com filhos devassos que não ligam para os pais, um círculo de mediocridade e passividade, com amigos que não se importam sendo Ivan Ilych alguém profundamente solitário e vazio. O auge do livro consiste quando Ivan Ilych se fere e cai enfermo com dores acreditando ter sido acometido por uma doença terminal, seu sofrimento é alargado e mesmo com os melhores médicos não consegue conter as dores, é então que o personagem começa a refletir sobre sua vida, sobre seus erros, acertos, arrependimentos e etc. Chegando a triste conclusão de que sua vida não valeu a pena, entrando em uma profunda tristeza.
A tristeza de Ivan é atenuada quando um jovem empregado passa a cuidar dele, o jovem, vibrante e feliz também é uma das causas da tristeza de Ivan, já que o mesmo vê no jovem aquilo que queria ter sido, Ivan durante toda sua vida foi alguém insensível e nunca amou ninguém de verdade, estando preso em uma rotina de comodismo e desesperança. A parte crítica do livro consiste em que Ivan, perdido em uma rotina monótona e sem sal, termina desperdiçando toda sua vida, coisa da qual ele mesmo foi o responsável, sendo insensível e um exímio comodista, Ivan se dá conta disso, no entanto era tarde demais, a morte já havia chegado para ele, nos mostrando que não somos imortais e o que fazemos tem consequência e que o tempo não retorna, a lição do livro, dada de forma bem amarga, é que não devemos ser comodistas, estáticos, monótonos porque isso leva à mediocridade e a um profundo e repentino arrependimento. Quantas coisas não deixamos para depois ou simplesmente não fazemos porquê nos parece difícil ou fora do status quo? De forma simples e direta, Ivan Ilyich ao final se arrepende de ser tão acomodado, de ter negligenciado o amor aos seu filhos e esposa.
Em linhas gerais o livro é fantástico como estudo de personagem, no entanto é pequeno demais para considera-lo obra prima, ainda sim, pelo conteúdo e pelas mensagens anti-conformistas e por criticar a burocracia e o status quo já merece uma nota alta. Os personagens secundários não são tão bem caracterizados quanto Ivan, o que não importa já que o foco do estudo é Ivan, o que me consta é um livro obrigatório, é como essas joias raras tais como Memórias do subsolo, sonho do homem ridículo ou 100 anos de solidão, provando o quão fantástico é a literatura russa, inclusive esse livro parece ter inspirado Ikuru de Kurosawa então por madre, leiam!
PERSONAGEM PRINCIPAL:9/10
TRAMA:8/10
DESENVOLVIMENTO:9/10
TEMAS:10/10
TOTAL LÍQUIDO:36
NOTA FINAL:9/10
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